Facundo é, indubitavelmente, uma obra
magna das letras argentinas e, para muitos críticos, uma das mais importantes
da Literatura latino-americana. Publicado em folhetim, de maio a junho de 1845,
em Santiago do Chile onde seu autor vivia exilado, somente teve a sua primeira
edição na Argentina em 1896, muitos anos depois de ter sido traduzido para o
francês (1853), para o inglês (1868) e para o italiano (1881). A esse
excepcional destino de ter sido conhecido na Europa antes de sê-lo no seu país
se acrescenta a fortuna perante a crítica que, não somente, lhe assinala um
lugar privilegiado entre os clássicos latino-americanos, como a analisa e a
estuda, exaustivamente, ao longo dos anos. E, tanto, que pareceria, que pouco,
ainda, sobre ela, haveria a dizer. No entanto, em maio deste ano, em edição da
Academia de Letras de Buenos Aires, é publicado Los umbrales de Facundo y otros textos sarmientinos em que o objeto
de estudo é o paratexto de Facundo.
Confessando sua
dívida para com Gérard Genette e sua valiosa contribuição à Teoria Literária na
década de 70, Oscar Tacca se aproxima não do texto de Facundo mas dessa matéria que o teórico francês chama de seuils: o nome do autor, o título, o
subtítulo, o prólogo, as epígrafes, a dedicatória, o índice, as notas e,
minuciosamente, se detém em cada um desses tópicos, precisando detalhes que
passam, então, a se erigir em valiosas ou curiosas revelações não apenas sobre
o autor como sobre o próprio texto. Assim, quanto ao nome do autor: na primeira
edição, ele aparece como Domingo Sarmiento e seguido de dois títulos (Miembro
de la Universidad de Chile e Director de la Escuela Normal) que, talvez, sejam
o indício – segundo Oscar Tacca –
do medo de parecer um desconhecido. E,
sem dúvida, bem estranho, o fato de que na segunda edição, o seu nome (com os títulos que o acompanham) desaparece, substituído por o autor de Argirópolis.
Outro
paratexto significativo em Facundo é
o uso da epígrafe. Sarmiento foi seduzido por ela, constata Oscar Tacca,
lembrando a sua presença em cada um dos capítulos do livro, como lema, alegoria, explicação, metáfora, ilustração cuja origem se situa
numa enorme variedade de fontes. Como Facundo
é uma obra que tem se mostrado de difícil catalogação, observar-lhe as
epígrafes leva, a corroborar a sua veia poética, o seu caráter literário e romanesco pois a
maioria delas está relacionada aos escritores e poetas mais lidos e apreciados
de sua geração. Como, porém, ao escrever impetuosamente, Sarmiento jamais teve
o cuidado de verificar o que citava de memória, muitas das epígrafes que usou
deixam dúvidas quanto a sua proveniência, até porque, muitas vezes, ele as americanizava. Sobretudo, uma delas On ne tue point les idées, que originou
um sem número de estudos, buscando encontrar-lhe a fonte num esforço que
resultou vão. E a frase – de quem quer que tenha sido – acabou por se tornar um emblema de Facundo e mesmo de Sarmiento.
Este
cuidadoso rastrear dos paratextos de Facundo,
que, sem dúvida, acrescentam dados para a sua compreensão, além de reafirmar as
qualidades de pesquisador de Oscar Tacca,
já demonstradas em Las voces de
la novela (Madrid, Gredos, 1973) e La Historia literaria (Madrid, Gredos, 1969), sugerem uma linha de
estudos deveras pertinente ao possibilitar um conhecimento mais profundo da
personalidade de um autor e, também discernir as influências por ele sofridas.
Estudar essas influências, muitas vezes, é permitir-se abordagens comprometidas
com posições ideológicas que os pesquisadores, amiúde, procuram ignorar ou
eludir. Porém, num Continente dado, desde sempre, às submissões, o refletir e o
discutir opções é um caminho que pode resultar instigante. E, proveitoso.

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