As
vezes, é exigido pela métrica do verso ou pelo ritmo da frase, pelo desejo de
oferecer um sentido inequívoco ou uma expressão harmoniosa. Outras tantas, mera
opção pessoal do tradutor, que assim, com os desvios (afastamento entre o
idioma original e o idioma traduzido, segundo Erwin Theodor), distancia do
texto original aquele que refaz em outra língua.
Ao
traduzir Cien sonetos de amor de
Pablo Neruda (Buenos Aires, Losada, 1965), Carlos Nejar, conduzido pela
negligência, não se deixou intimidar. E, dos desvios, abundantemente se serviu,
espalhando-os, às mãos cheias, em cada poema que a L & PM de Porto Alegre
ofereceu, em 1999, sem buscar perfeições, aos leitores.
Assim,
além dos inúmeros erros crassos, ocorridos a nível de vocabulário, o texto
português de Cien sonetos de amor,
também, se afasta do original no que se refere à sintaxe: palavras são
eliminadas, palavras são acrescidas, palavras tem suas funções sintáticas
mudadas.
Pode
ocorrer que na eliminação de um pronome do verso, não tenha havido, realmente,
mudança de sentido, mas diminuição da força poética. É o que ocorre no poema
XXVI: te odio sin fin, y odiantote te
ruego que, na tradução, certamente evitando a repetição de sons, “te odeio
sem fim, e odiando-te rogo”, deixa sem clareza a quem o rogo é dirigido.
Igualmente, diminuída a intensidade na eliminação do pronome tu do verso era que tú de pronto eras ausente: “era que de repente estavas
ausente”. Nos casos em que houve acréscimo, porém, a mudança de sentido é
inegável. Assim, no verso do poema LXIII em que o aposto la flor por el mar enterrada se transforma em predicativo do
sujeito: é flor pelo mar enterrada e
do verso do soneto XXII em que o acréscimo do advérbio não exprime, exatamente, o contrário do verso no original: pero yo ya sabía cómo eras: “Mas eu já não sabia como eras”.
Sobretudo, em relação à sintaxe, o
que sobressai são as mudanças de lugar dos termos da oração, em alguns casos
justificadas pela eufonia. Em outros, parecem efetuar-se, sem uma razão precisa
como, por exemplo, a colocação do adjetivo anteposto ao substantivo ( tus
huellas digitales por “tuas digitais pisadas”, soneto XXXIX; ou pétalos dichosos por “ditosas pétalas”,
soneto XLVII) que não apenas contraria o original como o que é usual em
português. Muitas vezes, essa troca de lugar dos termos da oração, aparece como
uma prática aleatória: tus ojos tienen
color de luna por “ tem cor-de-lua teus olhos (soneto VIII); todo fue estrella por “foi tudo estrela
(soneto XXIV); me cercaba sin tregua
por “sem trégua me cercava “(soneto III), convertida
por fin en amapola, por “por fin em amapola convertida” (soneto XCVI). Ainda há casos em que a mudança de lugar ocasiona, também, uma mudança
de sentido: no soneto X, o poeta diz que o beijos da amada são frescos como
melancia. Na tradução, o advérbio de comparação muda de lugar e os beijos são,
então, comparados a “frescas melancias”. ( Son
tus besos frescos como sandías por “são teus beijos como frescas
melancias”.)
E, também, acontecem os casos em que
um substantivo é substituído por um verbo (tu
risa desarrolla tu trino de palmera
por “teu riso desenvolve seu trinar de palmeira” soneto XXXVIII), um artigo indefinido
por um possessivo ( con una pluma
por “com tua pluma”, soneto C), um tempo
de verbo por outro (zumbavam las avispas
por “zumbem as abelhas”, soneto XXXIX).
Na verdade, estes desvios, como os que
ocorreram em relação ao vocabulário, se apresentam todos como a expressão
perfeita de uma mentalidade de descaso que não envolve apenas a obra traduzida,
mas também o leitor a quem essa obra é dirigida.

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