Assim
era aquele inverno para os espanhóis. A neve os isolava de toda esperança e nem
ruídos para salvá-los ou matá-los deixavam passar a chuva amortecedora ou o
vento fustigante. O vento se punha a dançar no interior dos ranchos e se
açoitava furioso nas poucas coisas de utilidade que enfeitavam a vida dos
espanhóis. A chuva – quase nenhuma casa possuía teto - descia melodiosa sobre o
pedaço de terra que escolhia cada espanhol para deitar seus ossos.
Eles vieram em busca de riquezas, em
busca de terras, em busca de ouro.
Aventureiros, um amontoado deles que, sob o mando de Pedro de Valdivia,
fundaram Santiago. Enfrentaram os índios e os próprios conflitos feitos da
inveja, da ambição desvairada, da traição. Mas tiveram que se haver, também,
com a fúria dos elementos ante os quais se apresentaram sem defesa: as casas
feitas de barro resultaram frágeis e os poucos bens que trouxeram consigo foram
consumidos pelo incêndio.
Em 100 gotas de sangre y 200 de sudor
(Santiago, Zig-Zag, 1961), Carlos Droguett mostra esses conquistadores do
Continente como homens comuns, que ao escolherem o caminho da aventura e do
desconhecido, se comprometeram, antes de mais nada, com a luta pela
sobrevivência.
Logo depois da
destruição de Santiago pelos índios, em 1541, eles mal têm o que comer ou o que
vestir quando o inverno começa a
alvoroçar as primeiras brisas. Uma
tarde, cresce um vento grandioso, faz
ranger as árvores, faz voar pedaços de ramos e perfumes, faz dançar as nuvens.
Nuvens negras que se abrem sobre as casas para com sua água lenta, precisa,
descansada ir roendo as paredes, deixando-as moles para logo se
entreabrirem em rangidos silenciosos. E a água se enfia pelas frestas das
portas e empapa o chão onde a chuva ainda não chegou. Afogados na água, os
colchões desfeitos, as cadeiras rústicas, os andrajos, a palha dos leitos, as
mantas que haviam sobrado do incêndio se desfazem. Uma chuva que não amaina em
longos meses quando, entre tormentas e
ventanias geladas, o dia amanhece. Uma chuva que ao cair, persistente, sem
trégua, limita o olhar e os suspiros, exaspera os nervos, neutralizando as
maldições, desvanecendo as lembranças do mundo que foi deixado para trás, um
mundo em que havia ruas, casas, verdadeiras ruas, verdadeiras casas.
Pedro de
Valdivia, enraivecido na sua impotência diante dos elementos, a eles não quer
se submeter; seus homens, um bando de
desesperados, apalpam, com medo, as paredes golpeadas pela chuva e ficam na
espera da inevitável destruição. As armas e o ânimo belicoso não lhe são de
ajuda nesse contínuo e constante soprar do vento e cair da água, nesse escutar
o eterno barulho da tempestade.
Carlos
Droguett, na liberdade que lhe outorga a ficção, não separa da Conquista essa
verossímil realidade que dela fez parte: o medo, a solidão, a fome, o calor, a
chuva, o frio e que se constitui uma verdadeira épica da desventura. Povoada de
vencidos num mundo em que todos chegaram para subjugar.


