domingo, 6 de junho de 1999

Senso prático.

           Vila Velha é uma pequena cidade que não fica ali nem fica aqui, que fica em toda parte mas não fica em parte  alguma.... Por isso, o que nela acontece – e,  tudo é passível de acontecer – pode ter como cenário qualquer pequena cidade do Continente onde quem manda é, sobretudo, aquele que não recua diante dos desmandos e arbitrariedades.  No caso de Vila Velha é um coronel bonachão, um outro mais irritadiço ou um major e como todos – abstraídos exatamente os exageros nocivos – eles inspiram, quase sempre, o riso. Porque é natural e até esperado que os cidadãos dominados nada sabem de cidadania e lhe permitem, inocentes, todas as esdrúxulas decisões. Assim, pouco tino lhe é exigido e as situações em que exerce o seu poder absoluto podem se apresentar, sobretudo, como  engraçadas.  Em Vila Velha há então quem mande prender tendo por base meras suspeitas ou internar no hospital de loucos aquele que lhe parece destrambelhado; há quem ameace  com escândalo ou  com uma condenação à morte os viventes que o incomodam e determine o extermínio de seus inimigos quando disso advenha vantagens. Mas, é evidente, a autoridade também está sujeita a erros. E, exemplar, o caso do forquilheiro. Pois tinha treze anos o menino quando, por acaso se viu possuidor desse dom de achar água. Nas suas mãos a forquilha sempre entortava e ele cresceu  descobrindo água. E as secas não foram mais uma ameaça para Vila Velha. No dia em que salvou a pecuária do município, a autoridade decidiu enviá-lo para estudar em Porto Alegre. A cidade inteira concordou pois, se desprovido de estudos  descobrira água, “imaginem o que faria bem estudado.
          Meio sem achar que merecia, ele foi para a capital. Nas férias, voltou e descobriu cinco poços novos. No segundo ano, teve compromissos e no seguinte, foi visitar parentes. Só depois de formado é que voltou para Vila Velha onde uma seca já o esperava. Mal desceu do ônibus, já lhe mostravam os campos amarelados e  logo veio o pedido  para que pegasse a forquilha.  Admirou-se e  um pouco encabulado explicou que aquilo era superstição.  Nem acabara de falar, levava um sopapo e carregado por quatro, protestando que era um homem civilizado, foi levado para o campo com a forquilha na mão. Mas, nem barro encontrou e só foi salvo da raiva, provocada  nos seus concidadãos, porque o padre chegou para salvá-lo. No dia seguinte, teve que ir embora da cidade porque seu pai, cheio de indignação, o expulsou de casa exclamando:  Doutor, a gente já tem que chega, o que tá faltando aqui é forquilheiro.

             Este caso, um dos trinta que são narrados por Sérgio Jockyman na voz desse menino que foi crescendo e ouvindo histórias na botica de seu pai e que se propôs contá-las para que não se percam. Vila Velha, publicado pela Garatuja de Porto Alegre, em 1975, é o resultado desse escuta que te escuta.

 

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