domingo, 13 de junho de 1999

60 mortos na escada: o mandante

           É uma obra sem precedentes na literatura chilena da época, ao usar textos de diferentes origens – reportagens, trechos de contos e de crônicas, digressões ensaísticas – para elaborar um romance que  não apenas se constrói com recursos experimentais como refaz uma História Oficial fadada a permanecer esquecida ou ignorada: 60 muertos en la escalera. Seu título remete ao tema central, o massacre de sessenta e três jovens na Universidade e no edifício do Seguro Obrero, ocorrido em Santiago do  Chile em 5 de setembro de 1938.  Assunto de uma crônica de Carlos Droguett, “Los asesinados del Seguro obrero,” publicada para lembrar o ocorrido, um ano antes, aparece como fio condutor desse romance que escreverá mais tarde e que será publicado pela Nascimento, em 1953.
            A ação se passa em Santiago, mais especificamente no edifício do Seguro Obrero e não dura mais do que algumas horas. Já no jornal da noite  haviam  aparecido as notícias:  fracassara uma revolta contra o governo, um militar havia sido assassinado e os revoltosos, todos estudantes, parecia que tinham morrido.  É a primeira informação sobre o acontecido que irá ser narrado cronologicamente, porém, em meio aos outros elementos que, entrelaçados, irão construir o romance. Então, há uma volta ao passado para contar sobre o governante. Carlos Droguett não lhe diz o nome, como tampouco o do general que lhe executa as ordens. Mas, eludi-los não impede reconhecer Arturo Alessandri, presidente  do Chile, na época, e o general Ibañez que no romance de Carlos Droguett personificarão o Gobernador e  o  General. Mas, se, abstraindo nomes e datas, Carlos Droguett destrói a noção de História a partir exatamente dessas ausências de informação é que a sua narrativa vai adquirir um significado mais amplo.  Porque,  nada é mais reconhecível, por comum, no Continente,  do que esse Gobernador  famoso. Ele falava bem, tinha uma bela voz, verdadeiramente milagreira nas regiões pobres do país. Foi querido pelos humildes, dizendo-se um deles, prometendo-lhes coisas fáceis e boas mas, aqueles que ele dizia amar logo foram ignorados ao se tornar Gobernador. Passou a viver e a falar só para os de cima que tentavam não se lembrar de suas origens o quê era algo que ele também tentava esquecer e por isso aos velhos amigos mandava prender e enviar para o sul onde havia vento e chuva e trabalhos forçados. Então, o amor que lhe dedicavam os pobres se transformou em ódio e eles passaram a sonhar com outro Gobernador jovem e bom. Mas, ele, já  disforme e velho queria governar muito, até o fim, mostrando para os de cima, o velho sorriso de seus velhos dentes. E entre a esperança do povo humilde e o seu querer se instalaram as prisões porque sempre havia um estudante ou algum operário que por, dizer uma palavra a mais ou por fazer um gesto a menos, eram suspeitos.          

           Quando, nesse mês de setembro, alguns estudantes e alguns operários quiseram expulsá-lo do Poder não sabiam bem do que ele era capaz. Enclausuraram-se na Universidade e  começaram a disparar contra o Palácio. Lá dentro, mal soube desses primeiros tiros o Gobernador, avisado, chamou o General e lhe disse algo. O General se foi em busca de seus soldados. Apenas o tempo de trazer o canhão, disparar e, derrubadas as  portas da Universidade, iniciar a chacina.

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