Na igreja repleta de
soldados índios, não havia brancos. Apenas, alguns mendigos e o louco do lugar.
Convidados todos, os moradores não foram para ver os índios representando “A tentação de Santo Inácio”. Andrés
Guacurarí y Artigas, o chefe índio, governador da cidade, sente o quão ele e
sua gente foram desprezados pelos habitantes de Corrientes e, também, quanto é
necessário dar-lhes uma lição. Pensa muito até decidir. Na manhã seguinte, às
cinco horas de um tórrido amanhecer, os tambores índios sobressaltam a
população e lhes inspiram o medo. Na casa dos principais da cidade, acodem
emissários, para, em nome do governador, convocar todo homem apto para o
trabalho. Devem se por em fila na praça e aí receber pás e enxadas e escutar as
palavras do chefe índio. E ele diz que a praça está uma vergonha com todo esse
capim crescido que pode ser um perigo para as mulheres e crianças e que, além
disso, o desleixo em que se encontra faz, dela, um feio espetáculo. Pode, no
entanto se tornar um lugar agradável
para nele se passear à sombra das árvores.
Por essa razão, foram os homens convocados. Medrosos, pensando que
seriam degolados,eles se mostram obedientes e trabalham até o entardecer e, no fim do dia, jazem
sujos, suados, com as mão calejadas e
as roupas molhadas, com os rostos inchados e descompostos e os olhos querendo fechar. Diante deles, riem os
índios e logo se ouve a música alegre de
seus primitivos instrumentos. A praça ficara com seu gramado cortado, com seus
canteiros em linha. Pela primeira vez,
os brancos haviam trabalhado sob o sol causticante,como sempre haviam ordenado
aos índios.
Mas, assim como chegara,
mansamente, cumprindo ordens, Andrés Guacurari y Artigas partiu de Corrientes, numa noite de outubro. Deixou um
governador por ele nomeado, Juan Bautista Méndez. Não sendo índio , os principais da cidade
acreditam que dele nada devem temer pois entre brancos sempre se hão de
entender.
Leon Pomer que narra
esta história, de exceção, no seu livro América:
histórias delírios e outras magias (Brasiliense, 1980) não diz mais dessa
praça que um dia luziu sob o trabalho dos cidadãos. Deve ter voltado a ser
invadida pelo capim e pela erva daninha diante
do olhar indiferente dos maiorais da cidade. De Andrés Guacurari y Artigas preverá o
futuro: algum dia o inimigo lusitano
o prenderá e enterrará sua lembrança num cárcere secreto ou na definitiva cova da morte. Na História de
Corrientes será o homem que vilittpendiou a considerada ordem natural das
coisas, pois nesse espaço conquistado
pelos ibéricos e, no seu entender, realizar árduas tarefas compete aos índios e
aos negros. Nessa verdade tida por
inconteste, sob o mando de Andrés Guacurari y Artigas e sob o olhar dos índios
que rodeavam a praça nesse dia, abriu-se um parêntese: os homens brancos
trabalharam submissos.
Algo
de inusitado e muito efêmero nesse Continente de castas, egoísmos e infinitos
privilégios




