Em
abril de 1989, foi publicado pela Banda Oriental de Montevidéu, um pequeno
livro, Hombre a la orilla del mundo.
Seu autor, Milton Schinca, poeta e dramaturgo, se iniciou, em 1956 na
Literatura com Sancho Panza, gobernador
de Barataria. Seguiram-se vários livros de poemas (Ese milagro, De la aventura, Esta hora urgente, Mundo cuestionado, Nora paz, Poemas Sex)
e, em prosa, Boulevard Sarandi; logo, a peça de teatro Delmira y otras rupturas.
Hombre a la orilla del mundo é um
relato em forma de epistolário. Cartas sem data que se sucedem com vagas
indicações de tempo, traduzido em expressões como dois dias depois, quatro dias
depois, um mês depois, na semana seguinte. Do signatário dessas
cartas não aparece jamais o nome e só algumas breves referências a episódios de
sua vida permitem aproximar-se a uma identidade que mais se adivinha do que se dá a conhecer nesse
ex-governante, exilado de muitos anos num país inominado, regido pelo
Mandatário. Embora não tenha rosto, nem história nem datas que o deixem se
entrever, o autor das cartas se delineia como Prócer da Independência Uruguaia:
o general Artigas. Rápidas seqüências
permitem tal identidade deduzir: o dizer-se confinado num pobre povoado onde
chegou, escoltado por um oficial e vários soldados e sem nada nas mãos que lhe
lembrasse a terra que deixara; ver-se como um general, um condutor de povos plantando repolhos na horta de sua casa;
lembrar-se do que foi, aquele que lutou contra o espanhol, que teve o governo
nas mãos. Lembranças que o levam a determinados momentos de seu passado (a
morte da irmã, seu casamento), do proveito que teve na convivência de um sábio
que visitou o seu país, das suas relações amorosas. Também, se indaga sobre o
numero de homens que morreram porque levantou
tal ou qual bandeira e como poderia se abster de condenar, ainda que
passassem cem mil anos, cem mil séculos
aqueles que, por gozar do Poder ou do dinheiro, traíram a causa da pátria.
São
esses assuntos de sua terra que
resultaram incompreensíveis para o interlocutor que teve no passado e para quem
ora escreve, sabendo que deve lhe resultar difícil entender as guerras intermináveis,
tantos ódios e lutas, os enfrentamentos
com os governos vizinhos e com os impérios da Europa. Espantos que, juntamente
com esse viver no exílio – ouvindo sua língua num outro tom, escutando outros
ditos, percebendo outros modos de se comunicar –, o fazem sentir a solidão a
qual está condenado até o final de seus dias. Daí as reflexões que o passar do
tempo vai ajudando a construir. Porque, ao constatar a chegada da velhice ele a
vai definindo: a velhice nada mais é do que uma poda das faculdades, dos
quefazeres, das recreações, dos afetos que vão ficando pelo caminho; o mais
penoso e irritante da velhice é a insegurança em relação a nós mesmos; os
velhos necessitam que nada ocorra no cotidiano de seus dias; a velhice vai entendendo menos mas vai chegando
com mais pureza até as coisas.
Um refletir a conduzi-lo a
constatações que se mostram como verdadeiros aforismos: o verdadeiro professor
não se faz da noite para o dia; o melhor
ensinamento é mudo e se faz a partir do exemplo; o amor ainda quando não nos
trouxesse mais que felicidades requereria de nós uma alerta e um cuidado da
maior delicadeza; até onde somos o que somos e não o que os fatos nos mandam
ser ?; há quem viva para representar que
vive. Certamente são palavras de quem já viveu, subentendendo um
aprendizado que somente o passar dos anos pode concedert.
Ao imaginar o homem que teve nas
mãos, por alguns anos, grandes poderes de decisão nas margens do Prata, nos
seus dias de confinamento em país estranho e distante da pátria, Milton Schinca
parte de alguma passagem de sua biografia conhecida, de um ou outro dado real.
Assim, o fato de ser o general Artigas um exímio cavaleiro ou de ter perdido,
prematuramente a mulher ou de ter sofrido a traição de seus companheiros de
luta. Parcas informações que são, no entanto, suficientes para concretizar esse
perfil que a partir do momento em que Artigas perdendo-se no exílio, se torna
irrecuperável para o historiador e que o ficcionista refaz, concedendo-lhe esse
outro, inventado mas, perfeitamente verossímil: o de um homem que se observa,
procura se entender, busca um encontro
consigo mesmo e se expressa num ato de simplicidade e de extrema coerência ao
se desnudar nos humildes e pequenos momentos de seu cotidiano. E, nesse trazer
à dimensão dos homens aquele que foi herói, Milton Schinca deixa-se ver como um
narrador, perfeito conhecedor de seu ofício ao urdir uma trama em que o
personagem que pertence à História se recria num sentir e num pensar próprio
dos homens..
Nenhum comentário:
Postar um comentário