domingo, 4 de abril de 1999

A hegemonia

           O último texto que Antonio Cornejo Polar escreveu, “Mestizaje e hibridez: los riesgos de las metáforas”, foi lido no Congresso da LASA (Latin American Studies Association), realizado em Guadalajara, México, em 1997 e publicado no volume Perfil  y entraña de Antonio Cornejo Polar (Lima, 1998).

             Prestando-lhe uma homenagem  “in memoriam”, a revista Casa de las Américas (número 212, julho-setembro de 1998) publica a segunda parte desse texto sob o título “Del testamento intelectual de Antonio Cornejo Polar”. Na verdade, apenas umas poucas linhas, agrupadas em sete parágrafos, mas cuja importância reside nesse constatar que os textos latino-americanos são analisados segundo artefatos críticos sofisticados, escritos em inglês e, de acordo com os velhos modelos industriais, devolvidos ao seu espaço natural que, então, deve passar a entendê-los conforme os cânones que lhe são estranhos.       
 

              Lecionando o crítico peruano na Universidad Mayor de San Marcos em Lima e na University of California, em Berkley, Estados Unidos, pode, a partir dessa dupla experiência, observar os estudos literários, produzidos num e noutro contexto e constatar as situações que determinaram a crítica assim produzida. E assinala algumas situações que a irão definir: nos Estados Unidos, a abstração de uma produção crítica latino-americana, preterida pela bibliografia em língua inglesa, consequentemente, textos latino-americanos estudados, sobretudo, a partir de uma metodologia crítica em inglês. Na América Latina, o desconhecimento da língua inglesa por parte de um grande número de estudiosos que, então, ignoram ou apenas conhecem, com atraso, os aportes escritos nessa língua o quê os marginaliza.

            Fica estabelecida, desse modo, uma hegemonia: a da crítica em inglês. A partir dessa constatação de Antonio Cornejo Polar é fácil lembrar o que ninguém ignora: quanto a produção intelectual latino-americana continua atrelada aos centros irradiadores de cultura do hemisfério norte. Tampouco ninguém ignora o quanto as fronteiras culturais entre os países do Continente são intransponíveis. Verdadeira muralha a separar os países entre eles, a mesma que os irá levar a uma subserviência que não lhes permitirá se dar conta de que a produção do Continente deve ser considerada a partir de seus próprios pressupostos críticos e sem deixar de levar em consideração o contexto em que se originam.

          Antonio Cornejo Polar se refere, por exemplo, à maneira como as ditaduras ( a censura, a marginalização do intelectual) e o neoliberalismo (política de empobrecimento das instituições culturais públicas) destruíram as bases materiais para o desenvolvimento da crítica e, sabe-se como induziram, ainda mais, à submissão das idéias alienígenas. O resultado é a inexistência, na grande maioria dos casos, de uma posição crítica e metodológica, verdadeiramente enraizada na América Latina. O que predomina – e isto o diz Antonio Cornejo Polar – é um estranho artefato totalmente feito em inglês, precisamente no idioma da hegemonia que fala para si mesmo do marginal, subalterno, pós colonial que a assim considerada elite aceita e procura imitar sem se dar conta de seus reais significados. Deixa-se, convicta, seduzir por algo que mal ou pouco entende, sendo-lhe suficiente saber de onde provém as idéias e teorias para assumi-las com entusiasmo.

          Antonio Cornejo Polar termina as breves considerações, desejando que suas palavras não sejam tomadas como um presságio, mas como um cordial aviso do que seria o esfarrapado e pouco honroso final do hispano-americanismo.

          Tendo em vista que hoje o mundo se mostra nas mãos de um único dono e que ele se atribui o direito de tudo determinar, infelizmente, é ilusório pensar que, em se tratando da cultura, poderia ser diferente. Se uns poucos podem perceber o quê significa a hegemonia reinante e se dispor a navegar contra a maré, isso é dar testemunho de esperança. E certamente da esperança, desde sempre, o Continente se alimentou.

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