domingo, 23 de agosto de 1998

Os conceitos

           Bangüê (José Lins do Rego, José Olympio, 1993) é uma história  de fracassos. Do fracasso amoroso e daquele advindo da impossibilidade de administrar o engenho.

           Carlos de Melo volta para o Santa Rosa onde dominara o avô José Paulino, agora já velho, sem a autoridade e a força que lhe permitira a posse de nove engenhos, terras que para ele correr gastaria semanas.  Volta bacharel e revela-se um inútil a ler jornais na rede ou a dormitar o tempo inteiro. Somente abandona suas preguiças melancólicas com a chegada de Maria Alice. Jovem e recém casada, doente dos nervos, procura melhoras nos bons ares do engenho. Em casa dava para ficar triste num canto. E depois, sem motivo visível, mudava para uma alegria esfuziante”. Os médicos aconselharam uma temporada no campo.

            No engenho Santa Rosa ela se mostra cheia de vida e com essa vida envolve Carlos de Melo que, então, passa a  ter  olhos somente para ela. Mas, os meses passam e ela deve partir, retomando a sua situação de mulher casada. O avô morre e Carlos de Melo, transformado em rico herdeiro, toma posse do engenho para, em pouco tempo, levá-lo à ruína.

            São três momentos narrativos: a figura do velho José Paulino, os amores de Carlos de Melo com Maria Alice e a decadência do engenho. Como cenário, a paisagem e os tipos que a povoam.

            A paisagem é feita de pequenos rios, de árvores floridas, de um sol a banhar, com ternura o canavial, de orquídeas multicoloridas, trepando pelos troncos, de frutos vermelhos e amarelos, de uma caatinga verde que tomava cores de vida. E nela há sons de pássaros e de cigarras, nuvens de periquitos, colorindo o chão onde pousavam. E há perfumes: o pé de açafroa, coberto de flores, perfumando tudo; os cajueiros a florir, recendendo mais do que as cajazeiras; o jasmin-laranja, entrando janela a dentro com seu perfume de felicidade.

            Contrastando com esse esplendor, a miséria dos homens: “uma gente que não comia, que não tinha remédio, que viera da escravidão dos negros [...]”. Principalmente, uma gente medrosa que abaixa os olhos diante do patrão, que não se importa de catar no chão o dinheiro ali jogado mas que lhe é devido.

             Uma gente que, de pequena, é doente, chora, engatinha na lama, tem os bracinhos finos, as barrigas duras como pedras. Só crescem e se salvam quando Deus é servido. Transforma-se, então, nos moleques que atolados na lama fedorenta do curral, tratam do gado. Meninos magros e amarelos. Vão ser os cabras de eito, os homens pau para toda obra, desses que morrem como gente pobre, sem ninguém para ver.

            A vida boa era para os donos, os que mandavam nos outros. Os que se queixam sempre de seus cabras, uma gente ruim, preguiçosa, trapaceira, que só prestava mesmo no relho mas que os enriquecia com seu trabalho mal pago, com sua vida de fome e de miséria.

             Quando Maria Alice diz ao amante que eram explorados esses trabalhadores de seu engenho, o único que ele sabe fazer é perguntar se ela era comunista, pois achar que a família dele pagava uma ninharia, tinha apenas um significado: ela queria subverter o mundo.

              Maria Alice responde que ela era apenas humana.

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