É uma pequena estação de trem perdida no
meio do mato. Somente os trens, o das
nove e o das duas da tarde lhe dam vida: o chefe da estação no seu posto, de
boné com letras douradas; a mulher, vendendo café; as filhas, na janela,
ostentando uma inesperada beleza e o cego, tocando sua rabeca. Perto, o chalé,
uma casa construída por um superintendente da estrada de ferro para ali passar
o verão. Incrustada na mata, rodeada de
grandes eucaliptos que rumorejavam ao vento. Cigarras e pássaros fazem rumor
que acaricia os nervos. Lá embaixo corre um rio por cima das pedras.
Para ali fora Lourenço de Melo,
predisposto, talvez, aos males da família – a mãe tuberculosa e o pai cardíaco
– em busca de saúde. Tinha vinte e
quatro anos e medo da vida. E era a vida que explodia a seu redor no
cheiro dos eucaliptos, no canto dos pássaros, na voz das cigarras, na
exuberância das espécies: pau-d’arcos, canafístulas, mangueiras, sapotizeiros,
eucaliptos, sapucaias nos seus tons de verdes.
Aos poucos, Lola, como é chamado, vai se
adentrando no mato, vai se interessando pelas pessoas que o rodeiam, vai
esquecendo, um pouco, suas obsessões. Pela primeira vez se sentindo capaz de
viver pelas próprias forças. E na vida ociosa que leva, insinuando-se a
presença da mulher que o conduz a uma desconhecida vitalidade, a uma fonte de vida.
Comprazendo-se em egoístas melancolias
e tristezas, deixa-se tocar pelos
encantos femininos – Margarida, muito
branca, de olhos azuis e cabelos louros
em cachos; Maria Paula, de tranças negras e olhos voluptuosos – e o mundo
passa, para ele, a ser outro. Tem, agora, os olhos abertos para a vida, para os
que lhe estão perto – as pessoas da estação – e para aqueles que percebe em
seus passeios solitários ou que lhe vem bater à porta. Assim, aquela mulher na frente
da casa que ele vê como um caco de vida,
criando os filhos como cria os porcos, com restos. Ou essa outra, tuberculosa, um esqueleto tossindo, já no fim da
vida. Ainda, a que, esfarrapada, e com os olhos
roídos por uma doença esquisita, promete dar o filho pequeno, feio e
doente.
São efêmeras presenças como a dessa gente
que passa na frente de seu chalé: Trabalhadores
de enxada no ombro se botavam para o roçado. Viam-se de longe estes seres
humanos como bichos, pobres bichos que o amor dos donos nem defendia da chuva.
Os próprios animais tinham telheiros
e árvores onde se recolhiam naquele tempo. E os homens lá iam de enxada, para o
trabalho, como se o tempo não existisse, como se o sol e a chuva não valessem.
Rápidas imagens a
compor, junto com a exuberância da paisagem, o cenário onde domina Lourenço de
Melo com suas inquietações doentias e seus amores. Mas, fortes o suficiente
para impregnar esse romance de José Lins do Rego de uma inconfundível realidade
brasileira.
Pureza (Rio de Janeiro, José Olympio,
1994) foi publicado, pela primeira vez, em 1937.

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