Fogo morto é construído em três partes:
a primeira tem por título “O mestre José Amaro” e é ele, o seleiro, seu
principal protagonista; a segunda, chama-se “O engenho de seu Lula” e tem como
figura central o coronel Lula de Holanda Chacon, proprietário do engenho de
Santa Fé; a terceira, “O capitão Vitorino” em que é ele o mais importante
personagem. Cada uma dessas três partes é feita de muitos diálogos, cheios de
vivacidade coloquial que, por vezes, obstruem o ritmo narrativo, tornam obscuro
o relato ou até mesmo enfadonho. Mas, sempre, entre essa infindável sucessão de
perguntas e respostas, se insere um texto narrativo. Então, o relato se agiliza,
as descrições aparecem como verdadeiros quadros dinâmicos e o lirismo, se
integra, enriquecedor.
Tido
como o romance de acabados perfis masculinos, como o dizem os próprios títulos
dessas três partes que o compõem, Fogo
morto, no entanto, desenha tipos femininos marcantes: Sinhá, Marta, Nenén e
D. Amélia. Todos os quatro, entregues à perfeita submissão que os usos e a
época exigiam.
Sinhá
e D. Amélia, respectivamente mulheres de Mestre José Amaro e do Capitão Lula de
Holanda Chacon. Embora uma tenha se criado na riqueza e mantenha a sua posição
de senhora de engenho e a outra sempre tenha sido pobre, é delas um destino que
se iguala. Ambas são oprimidas e maltratadas pelo marido ainda que não ofereçam
razões para isso.Sinhá
– e o feixe de lenha às costas, e o cuidar da criação e a comida pronta na hora
– é odiada pelo marido que para ela e a filha só tem palavras duras”, poucos
agrados. Sofre os maus tratos calada
, como escrava, sem direito a levantar a voz, a dar uma opinião para resolver
uma coisa. A filha, Marta não era uma moça feia, não era uma moça de fazer vergonha. Aprendera a
ler, sabia escrever e bordar e costurar. Mas era triste e com mais de trinta
anos nenhum rapaz que se aproximasse dela. E o pai a odiá-la por isso, porque
não casara, porque não tinha nascido homem. E seu comportamento agressivo e mau
em relação a ela e à mãe, provoca, igualmente nelas, um ódio convicto.
Nenén, de
cabelos loiros e olhos azuis, é a filha do senhor de engenho, adorada pelo pai.
Era moça de mais de trinta anos, tão
cavilosa, enterrada no quarto, lendo livros, com medo de gente”. Então, se engraçou pelo promotor que o pai achava não ser de boa família: era
filho de alfaiate. E gritou e ameaçou, dizendo que preferia ver a filha morta
num caixão do que vê-la casada com um
tipo à-toa. Nenén se refugiou nas flores que cuidava, no meio das rosas, mudando plantas,
aguando a terra, não queria saber de mais nada. O seu silêncio, a paz que
se inventou não impediram que caísse no
ridículo quando o pai matou a tiros um animal parado em frente da casa, achando
que era o pretendente recusado que insistia.
E,
desprezada, ignorada, D.Amélia a senhora do engenho decadente. Conforma-se com
as impertinências do marido mas consciente de que tudo para ela era tristeza, humilhação, uma provação de Deus.
Nesse
mundo de homens que mandam e que decidem e querem obediência cega, o mundo de Fogo morto, José Lins do Rego cria mulheres que são como sombras.
Sombras que, no entanto, não se apagam diante dos desejos de poder e dos
sentimentos de orgulho que as rodeiam, que as martirizam e que as limitam.
Mostram-se inesquecíveis nessa marca não repudiada: a de saber submeter-se à
infelicidade.




