domingo, 21 de junho de 1998

Sobre Gabriel García Márquez

          Seu autor, Dasso Saldívar a chamou “a biografia”: García Márquez, el viaje a la semilla. Um volume de seiscentas páginas publicado, em 1997, pela Alfaguara de Madrid que teve, também, edições no México, Buenos Aires e Colômbia .

          Como o sub-título “viagem à semente” o indica, o biógrafo, na sua grande e exaustiva pesquisa sobre o seu conterrâneo, quis encontrar o ponto de partida e os caminhos que levaram a Cien años de soledad.

           Começa o livro a se ocupar, minuciosamente, dos ancestrais de Gabriel García Márquez; depois, de seus primeiros anos, de seus estudos adolescentes, de suas primeiras experiências como autor, de sua vivência européia, da elaboração de cada um de seus livros que antecederam a Cien años de soledad.

            Permanente, a preocupação com a origem do romance, que deu o Prêmio Nobel a seu autor, cuja feitura foi seguindo, ao longo dos anos que durou a sua elaboração a partir desse começo em Cartagena de Índias, nas longas tiras de papel jornal, pelos idos de 1948. O original chamava-se, nessa época, La Casa e, muitas vezes, foi deixado de lado. Porque Gabriel García Márquez, repetidamente, se enchia de dúvidas, sem saber, muito bem como, nem para onde ia. Mas, sem abandonar nunca o projeto até chegar a esse momento em que viu, muito claro, o romance inteiro e, principalmente, se deu conta do tom no qual ele deveria ser narrado. Então, se encerrou no estúdio que denominou “La cueva de la  Mafia”: um espaço mínimo porém bem iluminado, de uns três metros de comprimento por dois e meio de largura, com um pequeno quarto de banho, uma porta e uma janela para o pátio, um divã, uma estante de livros e uma mesa de madeira com uma máquina Olivetti.

             Esta decisão de, finalmente, se dedicar, por inteiro, ao romance teria acontecido em meados de julho de 1965 (como esclarece Dasso Saldívar, após rebater afirmações de Mario Vargas Llosa e do próprio Gabriel García Márquez que mencionam outras datas ) e se prolongado por quatorze  meses durante os quais Gabriel García Márquez escrevia das oito e meia da manhã às duas e meia da tarde. O restante da tarde dedicava à documentação, às notas e aos esquemas de trabalho para o dia seguinte e as noites a conversas com os amigos das quais não se excluía  a composição do romance.

               E os trechos prontos iam sendo lidos pelos amigos.  Alguns, publicados em revistas literárias. Quando o manuscrito dos quatro primeiros capítulos chegou à editora Sudamericana de Buenos Aires, já tinha sido lido, com entusiasmo, pelos ficcionistas  Carlos Fuentes e Julio Cortázar e pelos críticos Emir Rodríguez Monegal e Emmanuel Carballo. E o leitor da editora, Francisco Porrua , o considerou uma obra prima. Tanto que logo enviou a Gabriel García Márquez o contrato, que foi assinado em 10 de setembro de 1966, nele constando o adiantamento de quinhentos dólares que lhe haviam sido, antecipadamente, enviados.

             Estava lançada a sorte da obra que o autor considerava a sua obra prima o que ia sendo  corroborado pelo rumor continental que estava começando a crescer ao redor dela a partir dos  comentários que originava e das “prévias” que iram aparecendo no México, Colômbia e Peru.

            No dia 30 de maio de 1967, Cien años de soledad veio à luz e quinze dias depois iriam se esgotar os oito mil exemplares da primeira edição. Foi preparada, logo, a segunda, de dez mil exemplares com a qual  a editora ficou sem papel e sem os tipos tipográficos para continuar a satisfazer uma demanda que crescia em proporção à voracidade de leitura de todo um  Continente. Assim, durante dois meses, aconteceu o paradoxo de que se falava em Cien años de soledad pela  América Latina mas as pessoas não podiam comprá-la porque não havia nas livrarias”.

            Quando, em setembro, saía a terceira edição, o México encomendava vinte mil exemplares à Sudamericana; a Colômbia, dez mil e os outros países pediam dez mil, cinco mil, três mil. Oito anos depois, já eram dois milhões de exemplares vendidos.

            Mas, diz Basso Saldívar, esse produto de seu talento singular, que o colocava no cimo do romance latino-americano, talvez tivesse um destino diferente ou pelo menos mais lento sem os editores, os jornalistas, os críticos de Buenos Aires. Porque somente a capital argentina, na sua condição de metrópole cultural reunia condições para aceitar e tornar popular, de imediato, um romance como Cien años de soledad sem a consagração prévia de Nova Iorque, Paris ou Roma.

            Eis uma observação valiosíssima. Porque,  mostrando que Cien años de soledad prescindiu de recomendações do Hemisfério Norte para iniciar o seu caminho de glórias, a partir de uma cidade do Continente, faz pensar no quanto pode estar iludida essa elite que, ainda, salvo as sempre honrosas exceções, somente aceita como algo de qualidade o que chega referendado pelos grandes centros irradiadores de cultura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário