domingo, 14 de junho de 1998

A barca

          Navegaciones y regresos é o quarto volume das Odas elementales. Foi publicado em Buenos Aires em 1959 e se compõe das odes e de poemas que a elas se intercalam: o sentir das viagens e dos regressos e o dizer das coisas simples.

           Ceilão, Stokholmo, Antofogasta, Venezuela, Brasil são paisagens cristalizadas no amanhecer, na névoa, no ar imóvel, na noite sozinha. Sempre o encontro consigo mesmo o quê também significa um encontro com todas as coisas.

            No seu Prólogo poético ele diz: Tenho orvalho para todos. Para tudo, seria também dizer. Porque Pablo Neruda faz poemas para a âncora, para o cavalo, para a cama, para as coisas quebradas, para o gato, para o elefante... Para esse pequeno barco que se arrebentou contra as rochas. Chamava-se La Bretona e o poeta a lembra na fragilidade de seu desfazer-se, na luta perdida para o oceano. É a primeira parte do poema, duas estrofes que a descrevem (curva de uma quilha que foi nuvem/ um peito de  pomba marinheira), que a mostram desfeita (quatro tábuas feridas/ pequenas como plumas), no efêmero existir (foi só um feixe de espuma/ um raio de magnólia que golpeava/ e ali ficou o despojo).

            Na terceira estrofe se introduz o narrativo: há o homem, a casa na colina e o alto fogo coroando a morte das madeiras. Participando do ritual da queima, na estrofe seguinte, o poeta se faz presente: Nós ficamos mudos.

            Logo, a quinta estrofe retoma o tema do título, a última viagem, agora já não mais na liberdade do mar, mas, desfazendo-se em pequenas chamas na viagem final.

            E a ode, cantando esse destino de morrer de La Bretone que se desfaz no mar e se dilui no fogo, na ultima festa, fala do ofício ao qual se entrega o poeta: Eu trabalho e trabalho,/ devo substituir tantos olvidos, disse na primeira página do livro.

           Uma pequena barca golpeada pelas ondas, umas poucas tábuas destruídas pelo fogo, para ele, se constituem momentos de emoção. Daí ficar mudo e impotente diante do nada que se instala. E o poeta é parte do drama quando assiste o passar de algo que existiu, que navegou, para esse afastar-se em fosfóricos fogos extraviados . Seu poema, então, faz desses momentos o registro para impedir o esquecimento.

 

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