domingo, 7 de junho de 1998

Ofício de dizer

          São mais de cinqüenta artigos e correspondem a cada uma das etapas da vida jornalística de Rodolfo Walsh: El violento oficio de escribir que a Planeta, de Buenos Aires, publicou em 1995.

           Nascido em 1927, seu nome consta como desaparecido, durante a ditadura argentina, desde o dia 25 de março de 1977. Tinha cinqüenta anos e, pouco antes de ser morto à bala, na rua, havia colocado numa caixa de Correio a “Carta aberta de um escritor à Junta  Militar”, seu último texto. Um texto considerado admirável ao oferecer informações e explicações no tom preciso e definitivo que sempre procurou.

           A extensa matéria jornalística que compõe El violento oficio de escribir,  o mostra como um escritor excepcional, mestre do relato sereno, da argumentação demolidora, da diatribe, da denúncia, da entrevista e da pesquisa.
 
            “Las ciudades fantasmas” é, dessas qualidades, um exemplo. Escrita em maio de 1969, resulta fruto de uma pesquisa de sete dias, realizada no interior da Argentina (Fisherton, Resistencia, Las Toscas e Villa Ocampo), sobre a glória e a decadência de La Florestal, a célebre companhia produtora de tanino.

            Em 1911, um jornalista francês a havia considerado a maior empresa industrial argentina: 270 léguas de propriedades, 300 km de ferrovias, 2 portos, 26.000  cabeças de gado, 5 povoados, 6 fábricas de tanino. Poucos anos depois, tudo na região da poderosa La Florestal dela irá depender. Mais outros tantos anos, tudo dela será decadência  e ruína.

          Rodolfo Walsh procura respostas diante do império destruído, povoado de cobras e de vegetação selvagem que nascera, em 1902, de capitais alemães e franceses aos  quais foi acrescido, mais tarde, aquele de um barão inglês.

           A explicação sobre o desastre talvez seja tênue ( a matéria prima estava esgotada) mas as conseqüências, cruéis e duradouras: cento e cinqüenta mil pessoas que viviam, direta ou indiretamente da indústria do tanino ficaram abandonadas à própria sorte. Cortaram tudo, levaram tudo, mataram tudo, exclama o padre, filho de um antigo trabalhador em meio às cicatrizes da paisagem.

            Rodolfo Walsh cita cifras, descreve o abandono das máquinas e das instalações e se fixa no indivíduo que ficou sem nada ou naqueles que foram assassinados nas matanças quando das rebeliões. Entremeia dados à história e ao relato e aos depoimentos  dos que ainda lá estão e não pode fugir à denúncia do descaso, indiferença e irresponsabilidade do governo: diante dos despossuídos permite que a melhor e a maior parte das terras seja entregue a gente de fora; diante da marcha dos famintos, envia guardas com fuzis.

            São verdades frente às quais Rodolfo Walsh não titubeia. E seu depoimento jornalístico severo, emocionante e incisivo possui o significado dos grandes textos: a busca  das transformações.

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