Em 1973, a Noguer de Barcelona, publicou El hombre que trasladaba las ciudades,
um romance construído a partir das Crônicas da Conquista da América. Carlos
Droguett, sem se afastar da verdade histórica contida nesse relato oficial, o
refaz, dando-lhe vida e criando uma das mais belas e perfeitas obras da
Literatura Hispano-americana. Uma expressão rara, como que feita somente de
achados, um sapientíssimo uso dos recursos romanescos fazem dessa obra um
impressionante itinerário onde predominam linhas sinuosas e repetitivas cujo
avançar e recuar permite vislumbrar o universo desconhecido que os espanhóis
cheios de sonhos e, perdendo-se no tempo, quiseram conquistar.
A cidade de Barco foi fundada por Juan Nuñez
de Prado, diz a Crônica da Conquista. Recebera essa incumbência do Vice-Rei do
Peru e, com duzentos homens, se lançara à aventura pelas terras do Continente.
Ameaçado pelos espanhóis do Chile, quer salvar a cidade, mudando-a de lugar. Na
primeira mudança deixa a forca e os enforcados, demonstrando ser sua vontade,
exercida em nome do Rei da Espanha e de Deus, a Lei. No segundo capítulo da
obra, a mudança é um recomeço onde alguns verbos se constituem a expressão de
um universo interior que, estreitamente, se entrelaça com as agruras do
cotidiano da Conquista.

... se não compreendem a necessidade de abandonar o lar que se deseja,
os móveis que viveram conosco, a roupa que amassamos no nosso desespero e nossa
solidão, se não sabem abandonar virilmente uns vasos de flores, uma dúzia de
frutas perfumadas, como entender, senhor, que essa tropa de ladrões e
assassinos tenha embarcado na Espanha para vir conquistar a terra? É a pergunta que,
indignado, o capitão Guevara faz a Juan Nuñez de Prado ao não entender porque
muitos soldados se negam a partir para o novo assentamento da cidade; não
entende que desejem se fixar e possuir a terra e que para isso, talvez, tenham
saído da Espanha.
Atravessaram o oceano,
saindo de Cádiz e Palos e Barcelona e Santander e Vigo, para se embrenhar em
terras desconhecidas, propondo-se a lutas desvairadas. São duzentos homens que
seguem Juan Nuñez de Prado no seu caminhar pelo Continente. Seres arrancados de
suas raízes e elas, no entanto, despontam no traçar das ruas da cidade, no
construir das casas, nos lampejos das lembranças que por vezes irrompem.
São cravos, são violetas,
são rosas, trazidas da Espanha como as sacadas, os tetos mouriscos. Como essa
canção se espalhando, um distante reflexo
de Além-Mar, algo semelhante ao bufido do touro a açoitar os cascos contra a areia ensolarada.
Para Juan Nuñez de Prado,
por vezes, é um breve recordar: a imagem da sacada de seu quarto em Badajoz;
seus dezoito anos, livres, seu falar sozinho pelo campo, chamando os meninos
que brincavam nas messes e nos vales, aprontando a funda para atirar pedras que
se afundavam no calor, no trigo, nas
flores que revoluteavam rotas.
Na narrativa, essa efêmera
volta ao que ficara atrás, emerge, de súbito, na canção repentina que é
escutada e faz lembrar a praça de touros; nesse dizer dos muitos homens que
desejaram partir do Velho Mundo, na volta de uma imagem do passado e,
sobretudo, na surpresa dessas flores que falam.
É no texto em que se
confundem as vozes de uma primeira pessoa plural: uma pertence ao conquistador
(as flores, os cravos, as violetas que
trouxemos de Los Reyes são flores da Espanha) e a outra às próprias flores
(somos espanholas, Juan, como tu, como as
ruas, como as sacadas que desejas edificar. Raro exemplo de um recurso
narrativo onde as informações e as vozes se acrescentam sem fronteiras – falam
os humanos, falam as flores – num enovelamento que somente irá se elucidar
algumas linhas adiante.
Assim, embora no segundo
capítulo de El hombre que trasladaba las
ciudades cada lembrança do passado seja rara e breve, sua presença, ainda
que passageira se insere no relato, mantendo viva uma relação do passado com o
presente certamente delineadora de uma visão de mundo que também irá direcionar
este ser e este estar dos espanhóis no Continente.
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