domingo, 3 de agosto de 1997

Vozes da narrativa. Os índios

           Huasipungo significa no Equador a parcela de terra cedida pelo dono das terras à família indígena em troca de seu trabalho. E assim se chama o romance de Jorge Icaza, publicado, pela primeira vez, em Buenos Aires, no ano de 1934. É considerado pela crítica a sua obra mais significativa e segundo Jean Franco (Historia de la Literatura hispanoamericana, Barcelona, Ariel, 1975), uma das obras realistas de maior força na Literatura do Continente.


           Jorge Icaza pertenceu à geração de escritores que via os indígenas como uma força de vanguarda contra o imperialismo. Em Huasipungo, enfrentam-se os expropriadores das terras e os índios que nela moram.

           Embora seja a sorte de todos eles que esteja em questão, o romance individualiza a tragédia num personagem, Andrés Chiliquinga. Explorado até um indiscritível limite, por fim, compreende que o único a fazer é rebelar-se contra a injusta expropriação do huasipungo. Sua resistência é a de todos. No entanto, eles já não tem forças nesse universo onde as armas sempre haviam sido desiguais.

           O patrão é dono de tudo assim como de tudo se apropria. Quando precisa de ama para seu neto, ordena que uma índia e depois outra e outra lhe dê de mamar ainda que em detrimento do próprio filho; como qualquer outro que detenha um pouco de autoridade, dispõe do corpo das índias, indiferente ao que elas possam querer ou sentir; determina castigos físicos para fazer pagar atos que, no seu entender, se constituem infrações. Decide ignorar a lei do huasipungo, determinando a expulsão dos índios de suas terras.

           A miséria mais atroz e esse estar subjugado à vontade do outro vai sendo a matéria do romance numa sucessão de tormentos e de humilhações.

           Porém, mais do que nas palavras dos brancos Um personagem diz: É possível fazer com os índios o que a gente tiver vontade. E, diz outro: Ninguém como eu para conhecer e dominar o látego, o garrote, a bala, a sem-vergonhice dos índio [...]. Porém, mais do que nas palavras dos brancos,  mais do que nos seus atos e nas suas ordens,  -tudo afinal, tão conhecidos -  a grande voz desse romance está no silêncio.A índia Cunshi silencia ao ser violada pelo patrão; Andrés Chiliquinga silencia quando o mandam trabalhar muito longe, quando se fere brutalmente ao realizar a tarefa imposta, ao apanhar diante dos outros, ao ter diminuído o salário para pagar estragos que não fez ou que não pode evitar; a família dos índios silencia ao ser expulsa do lugar onde sempre vivera, vendo a pobre choça ser posta a baixo.

           Quando os soldados, a mando  dos que se presumem donos da terra, incendeiam os ranchos, essa voz forte que se ergue nas páginas finais do romance, para dizer, com desespero nossa terra é uma voz que se perde.

           Porque sobre a destruição irá pairar, somente, o silêncio.

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