Embora
no prólogo do romance Cirilo Villaverde confesse dívidas para com Walter Scott
e Alessandro Manzoni, em muitos momentos do livro se torna evidente o rechaço
dos modelos europeus. Por exemplo, nesse intento de criar um personagem
distante do protótipo literário de então: Cecilia Valdés, a vênus de bronze, que não somente se
diferencia das loiras personagens de olhos claros pela cor, como pela sua
classe social bem longe da aristocracia a qual soem pertencer as heroínas
românticas.
Politicamente,
ao criticar a submissão de Cuba à Espanha e as questões raciais e ao relatar a
paixão de uma jovem mulata por um homem branco, seu romance se afasta dos
moldes europeus e passa a ser considerado uma obra anti-escravagista.
As
relações entre as famílias enriquecidas pela prática da escravidão e que se
querem aristocratas, com os mulatos e com os negros escravos se estabelecem, no
romance, a partir de desencontros, desprezos, injustiças: os homens consideram
as moças negras e mulatas como objetos sexuais; os donos de escravos são
inumanos no trato que lhe dão; os escravos que recuperam a liberdade e tentam
se educar continuam sendo vítimas do preconceito; no negócio negreiro, durante
uma tempestade, é preferível, perder a “carga”, jogando-a no mar, do que perder
o navio.
No
capítulo VI de Cecilia Valdés o diálogo entre Cándido Camboa e sua mulher Rosa
é, desse comportamento, uma síntese. Trata-se da chegada de “Veloz”, o barco
negreiro de sua propriedade. Próximo de la Habana, corre o risco de ser preso
pelos ingleses e dona Rosa se exaspera por não entender porque a Inglaterra se
opõe ao tráfico de escravos e não ao transporte de azeite, passas e vinho da
Espanha.
Quando
o marido lhe conta que para fugir do barco inglês, o capitão deu ordem de jogar
ao mar os negros que viajavam no convés, ela se horroriza, como se horroriza ao
saber que os que estavam no porão, apertados como sardinha, quase sem ar,
poderiam morrer sufocados. Ao que o marido responde: Nada disso, mulher. Estou acreditando que tu achas que os sacos de
carvão sentem e padecem como nós. Não
é assim. E para exemplificar diz das condições em que são trazidos os
negros no barco. Diante da piedade da mulher pelas crianças que, igualmente,
foram jogadas na água para aligeirar o barco e de sua preocupação por essas
mortes sem batismo, argumenta que é uma blasfêmia considerar que o que ele
chama de fardos da África possam ter alma e que, assim
sendo, entre eles e um fardo de fumo não existe a mínima diferença.
A
conversa é interrompida pela chegada de um personagem e o narrador onisciente,
observa que, assim o queira ou não o rico Cándido Camboa, a sua carga é
composta de seres humanos.
É
a voz da razão que estará sempre presente no romance e que, juntamente com os
fatos narrados – espancamento de escravos, ameaças constantes de surras e
castigos, separação de uma escrava de sua filha por tê-la amamentado junto com
a filha do amo, golpes cruéis por qualquer ninharia e sempre, sempre, o látego,
seja qual for a razão – irá traçar as intenções primeiras de Cirilo Villaverde.
Ao
querer a liberdade para seu país – foi por isso preso, condenado à morte e
conseguindo fugir passou a vida inteira nos Estados Unidos – e a dignidade para
seu povo, se antecipou, como um arauto, às decisões que, muito mais tarde,
transformariam a História de Cuba onde a Abolição da Escravatura se deu no ano
de 1886 e a libertação da Espanha em 1892. O primeiro tomo de Cecilia Valdés
foi publicado em 1839.



