domingo, 20 de abril de 1997

O poeta jovial.


Sic Transit 

Diariamente,
eu passo os cariocas para trás:
com a mania de levar vantagem,
dão sempre um passo a mais,desrespeitando
as faixas e os pardais. 

O que lhes interessa não é bem
o vermelho ou o verde que não vêem
e sim o pole-position da largada,
o charme da infração em cada esquina,
mas só sai mesmo em disparada
se ouve o toque de caça da buzina. 

Tranquilo
e obediente
eu saio sempre à frente
vibrando a lança
em prol do estilo 

         Ensinou nos Estados Unidos, Uruguai, França, Portugal e, atualmente é professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Autor de ensaios (especialmente sobre Carlos Drummond de Andrade) e de poemas. Seu primeiro livro data de 1955, publicado em Goiás, seu estado natal.

         É Gilberto Mendonça Telles de quem o Jornal de Letras, Artes e Idéias, de Lisboa, no seu número 690, acaba de publicar seis poemas inéditos: “Os pós modernos”, “Cantilena”, “Sic transit”, "Et tout le rest”, “Sereia”, “Pescaria”.

         A uni-los, um tom de cotidiano e de troça ou esse finalizar um poema como Eça de Queirós finalizava os seus capítulos: com uma comicidade inesperada. Um todo que se envolve em lirismos, em aparência, simples e ingênuos.
         Assim, são trocistas os últimos versos de “Pescaria”: Mas o grande problema, / o que me está infernizando, / o que me abrasa, / não é fazer da vara algum poema / e sim como levar de contrabando / um rabo de sereia para casa. Na verdade, talvez nem muito sérios sejam tampouco os primeiros versos do poema a falar de varas de pescar um tanto quanto surrealistas. Prosaico, esse poetar sobre o trânsito do Rio de Janeiro onde os cariocas, na ânsia da desobediência às leis, submissos ao Charme da infração desrespeitam faixas e pardais. E, risível esse fazer-se de ouvidos moucos ou esse meter algodão nos ouvidos para não se perder ou não ficar louco ao se dar conta, nas lonjuras do cerrado, de algum cochicho, de vozes de amor, de suspiros e gemidos; ou, esse anjo sisudo que entra na contramão, imagem com a qual se termina o poema “Cantilena”.

         Porém, para levar a sério, são muitos versos: os primeiros e os últimos de “Os pós modernos”, estrofes de amor em que o sentimento se traduz em claros conceitos: não desistir jamais se o amor não cabe / na forma absoluta ou sentindo que a beleza mais longínqua / é sempre devoluta. Ou, aqueles em que às expressões populares (pó de mico e seu fuxico, pó de traque e seu sotaque) às rimas fáceis (o resto é pluma, coisa nenhuma, fio e fiapo, forma de trapo) se acrescentam inquietações daquele que se entrega ao amor, do que sabe o dano que pode resultar em possuí-lo, de quem é conhecedor do preço de viver.

         Parecem  esses inéditos serem feitos de  uma poesia desobediente às prováveis leis do poetar. Plena de improvisos e de imprevistos. De buscas e de descobertas.

         Gilberto Mendonça Telles é verdadeiro quando, versejando diz: eu saio sempre à frente / vibrando a lança / em prol do estilo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário