domingo, 2 de fevereiro de 1997

Ode às coisas

          Navegaciones y regresos, quarto volume das Odas elementales, foi publicado, pela primeira vez, em 1959. É constituído de odes e de poemas que entre elas se intercalam. Um todo, cuja temática, sabiamente, foi dito, é aquela das coisas simples. Poderia parecer que nada é mais chão do que uma cadeira, um prato, uma cama, um sino, uma âncora, um gato ou um cão. Mas, a primeira palavra do poema, amo (intensificada pelo adjetivo louca e pelo advérbio loucamente), estabelecendo uma inequívoca relação afetiva com os objetos cotidianos e díspares que passam a ser enumerados – xícaras, sopeiras, chapéu, dedal, pratos, esporas e outros tantos – os transformam em algo inesperadamente cheio de luz e de vida.Algo que se enriquece quando Pablo Neruda fala de sua ligação com as mãos do homem (Ai, quantas / coisas puras / o homem / construiu) e com a lã, a madeira, o cristal, as cordas, matéria que absorve a presença dos dedos que a trabalharam.

Pela terceira vez, inicia a estrofe reiterando a expressão amo todas as coisas. Torna a enumerar objetos – e algo de um momento vivido se insinua – antes de, na estrofe seguinte, dizer desse prazer do toque, do olhar que explicará, talvez, essa afinidade que teve com todas essas coisas que o leva a confessar e foram para mim tão existentes / que viveram comigo meia vida / e morrerão comigo meia morte.

Em “Ode às coisas”, o lirismo surpreende como o de muitos outros poemas de Navegaciones y regresos por estar contido num sentir que, à primeira vista, está muito distante daqueles grandes sentimentos que tradicionalmente alimentam a poesia.O poeta usa um verbo, amar, cujo objeto – uma tesoura, um dedal, um leque – pode parecer, de tal sentimento por ele expresso, indigno. No entanto, fruto de um trabalho, a proximidade com o humano lhe dará um sentido maior que irá se completar na estrofe seguinte quando é mencionado o companheirismo que, ao longo dos anos se instaura entre o poeta e esses seres inanimados.

São palavras sem mistérios e de uma voz que nelas entrelaça emoções, quem sabe inusuais, fazendo de “Ode às coisas” um poema de despojada beleza.

 

 

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