O pequeno livro foi escrito
para crianças. Lendas oriundas do folclore indo-americano, escolhidas entre
aquelas onde predomina, diz o autor, a peripécia
heróica, a aventura, o estoicismo unidos a nobres sentimentos de liberdade, de
amor ou de justiça. E, escolhidas entre aquelas que mais expressam a
idiossincrasia popular, as superstições.

No que se refere às lendas,
Serafin J. García deseja dar a conhecer a graça e a candura e a visão otimista
de vida nelas contidas. Quanto às superstições, levar o leitor a desprezá-las
pois, no seu entender, se nutrem de uma descabelada ignorância.Claramente
expressos esses objetivos didáticos nas suas palavras introdutórias a Leyendas y supersticiones (Montevidéu,
1968), eles estão presentes em cada lenda e em cada breve relato que ilustra a
superstição.
De extremo encanto são as
lendas. Narram a origem da borboleta, de pássaros, de árvores, de flores, do milho,
tendo como denominador comum a trajetória de um sofrimento para a alegria. Da
donzela sacrificada aos deuses, o surgimento do milho; da morte do pássaro, o
aparecimento de uma flor na árvore; de um amor fidelíssimo, o pássaro que só
pode existir junto com seu companheiro.
Com algo de curioso num
ritual sempre simplório, as superstições: modo de curar bicheira ou de curar doenças,
de evitar um mau olhado, de estabelecer uma união indissolúvel com o homem
amado, de se livrar de situações desastrosas.São breves relatos em que à figura
do supersticioso se opõe a de alguém que tenta discutir as certezas. E,
evidentemente, a figura da curandeira, da benzedeira, do “bruxo”. Nas várias
histórias, a mesma estrutura: uma dificuldade a enfrentar, a busca da solução,
a solução, a opinião abalizada que se lhe segue.
O supersticioso, quase
sempre, uma mulher, manda buscar a pessoa, tida como possuidora de poderes de cura.
Assim, dona Ciriaca que aparece fumando um cigarro de palha e pigarreando como
homem; assim, dona Rudecinda. Segue-se a submissão ao ritual – galhos de
arruda, carvões incandescentes, sinais da cruz, frases cabalísticas – e, depois
de três dias, a comprovação da cura.
E, também, existem os
rituais de prevenção para exorcizar a desgraça, evitar mordedura de cobra,
garantir a fidelidade do ser amado ou solicitar proteção. Nesses casos, o
supersticioso leva a coruja a fazer o caminho inverso daquele que havia feito
no intuito de conjurar a desgraça que a sua passagem anunciara; ou usa
amuletos, ou oferece a criança para ser afilhada da Lua e obter dela a proteção.
Num dos relatos, a crença de
que a cura da bicheira está na prática de virar ao contrário a pisada do animal
doente é considerada um despropósito pelo dono da fazenda, homem culto que havia feito estudos universitários.
Noutro, o veterinário que
fora atender um animal doente, diante do medo expresso pelos peões quando percebem,
na noite, um fogo fátuo, lhes dá a explicação científica do fenômeno, fazendo
com que se tranquilizem.
Em quase todos, a fé cabe às
mulheres enquanto aos homens pertence a linguagem da lucidez, traduzindo a
descrença.
Em cada caso, se inscreve a
voz do narrador, irônica, trocista, explicando o que, realmente, aconteceu para
que a desejada solução se cumprisse, no intento de negar o “milagre”. E, no
desejo de erradicar as superstições, Serafin J. García busca o respaldo dos
doutos ou procura convencer pelo descrédito.
E, embora talvez tenha tido
razão e embora talvez a época em que escreveu o tivesse permitido – o livro foi
publicado há quase trinta anos atrás – é um tanto singular a sua insistência em
mostrar como crédula e ingênua, a mulher que não apenas acredita cegamente na
curandeira ou na benzedeira e nos seus rituais, como repudia os argumentos da
perspicácia masculina.
Então, o universo que
Serafin J. García faz nascer ao redor das práticas supersticiosas, se povoa de
lúcidos (os homens e os homens estudados) e de crentes (as mulheres e os
trabalhadores do campo) numa hierarquia que se delineia, com acerto ou não, extremamente
preconceituosa.
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