domingo, 15 de dezembro de 1996

Leontina das Dores


Buçal de prata foi publicado pela Editora Tchê de Porto Alegre em 1981. No dizer dos editores, é um livro de versos que se antecipa, mostrando caminhos: uma recriação poética dos motivos gauchescos.

Andamentos poéticos para toadas e milongas, chamou o autor, Luiz Coronel, a  seu trabalho de dez anos, feito para ser musicado. Mas, independentemente da complementação musical que tenham essas letras, um grande valor poético as alimenta.

Numa temática tradicional do gênero, que se encrava no universo gauchesco, se alinham os elementos exteriores, desenhando esse universo feito, sobretudo, de uma visão de mundo onde prevalece um extremo amor próprio e onde se mostram os ideais de coragem e de liberdade.

No poema “As pilchas” e “Botas de garrão” há todo um léxico da indumentária (esporas, vincha, guaiaca, pala, barbicacho, bombacha, lenço colorado, botas de garrão) que se alia a uma expressão do eu, marcada por possessivos e por verbos na primeira pessoa que vai delineando o tipo altaneiro que estará presente nos demais poemas. Seja quando fala de sofrimentos (Meus pesares e lamentos / levo a outras invernias / dou canto às ventanias / com meus penares me agüento), seja quando fala de seus versos (Pajando sou galo de rinha / e a minha rima é uma faca / que se escapa da bainha), seja quando fala de valentias (Se troveja gritarias / já relampeja minha adaga).

E, entre esses versos, emerge uma voz de mulher, expressando temas inusitados num gênero cuja expressão foi sempre masculina. Versos que se emaranham em verdadeiros achados estilísticos e numa bela simplicidade narrativa para falar do fado, do abandono e da espera submissa nos cinco poemas que compreendem os “Cantos de Leontina das Dores”.

No primeiro, Leontina das Dores se apresenta para dizer da solidão da menina que foi e da solidão que dura para sempre. No segundo, fala das flores, querendo dizer outras coisas: o amor que passou, a condenação à espera amorosa. No  terceiro, é uma expressão de mulher à espera do filho e as ilusões que, sobre esse filho, ela tece. No quarto poema, os versos dizem de amor preterido e de solidão. E no quinto, ela pede ao filho que não vá embora: Meu filho, não olhes pra estrada;meu filho, não olhes pro rio. Lembra para ele que, ao obedecer ao desejo de partir, irá trocar  a carne no prato, a brisa dos eucaliptos, a casa na coxilha por uma marmita fria, pelas fuligens no ar, pelo casebre. A  essas razões objetivas se misturam conceitos enovelados na natureza: Aprende a lição das árvores / ganham o céu pelas folhagens / e o chão pelas raízes diz a última estrofe do poema, reafirmando que a aflição de horários, a angústia dos salários  se contrapõe à vida tranquila de arroio, pesca, mate amargo, sesta, china e baio para montar.

Nos campos o latifúndio. Os homens abandonando o pago. Luiz Coronel acompanha os novos tempos e, nos seus versos, fica evidente que na conhecida trilha da lírica gauchesca ainda há caminhos a palmilhar.

E o poeta a eles não se nega.

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