Sendo a função do narrador a
de informar sobre a história que relata, diz Oscar Tacca no seu livro Las voces de la novela (Madrid, Gredos,
1973) não lhe será permitido falseá-la ou dela duvidar. Sim, escolher ou
mensurar a informação que deseja dar. Então, todo romance é feito de um jogo de
informações.
Parciais elas serão se a voz
responsável pelo relato for a de um narrador/personagem cujo conhecimento dos
fatos será sempre parcial. E, é evidente, que tal não acontecerá se a voz
pertencer aquele possuidor de toda a informação sobre o que narra.
Na série Um castelo no pampa formada de três
volumes, Perversas famílias, Pedra da memória e Os senhores do século, romance de múltiplas vozes (a primeira
pessoa dos monólogos de Proteu, Selene e Páris, a segunda pessoa que se dirige
à Plácida e a terceira pessoa onisciente), a informação, por vezes, é negada.
Ou porque o narrador/personagem apenas possui um conhecimento reduzido ou
porque o narrador de terceira pessoa irá desconhecer ou omitir esse
conhecimento.
Como no episódio amoroso que
envolve o Doutor Olympio e Urânia.
Importante vulto da
sociedade local tanto no que se refere à fortuna pessoal como a sua posição de
líder político, o Doutor Olympio se torna amante de Urânia, jovem e rica viúva.
A relação que se estabelece entre ambos parece ter, além das convenções
sociais, também desafiado os anos. É explícito no romance esse tempo
transcorrido. Mas, nos três volumes da série, são poucas as informações sobre
essa relação a partir do momento em que eles se vêem a sós. Frente ao palacete, com a chave na mão, ela o convidou para entrar. Um breve
espaço em branco na página e a informação que batiam cinco horas no carrilhão
da igreja quando ele saía do palacete fazem com que o verdadeiro momento da
conquista – houvera olhares, houvera algumas palavras trocadas – seja eludido.
Eludido foi, igualmente, o
que deve ter sido um longo, profundo e sincero diálogo entre os dois. Muitos
anos mais tarde, já doente, ele a manda chamar. Urânia chega à noite, e por
algumas horas eles conversam. A criada aguarda na sala junto com o amigo
confidente que providenciara a visita. Tempos depois, ele perguntará ao Doutor
Olympio o quê eles se disseram naquela noite. O Doutor Olympio não lhe
responde.
Ainda, ao lhe ser anunciada,
por carta, a morte de Urânia, o médico que o acompanhara a Buenos Aires onde se
encontram, por excesso de zelo em relação a sua saúde, abre a carta e, em voz
alta, lê o que nela está escrito. Como somente algumas poucas frases interessam
a quem as escuta, apenas essas aparecem no texto do romance. As outras, as
quais apenas o médico tem acesso, permanecem desconhecidas do leitor.
A carência de informação no
episódio Doutro Olympio/Urânia se estabelece em três níveis diferentes. No
primeiro, como se o encontro amoroso entre os amantes, só aos dois dissesse
respeito. O narrador a ele permaneceu alheio e, em conseqüência, o leitor.O
diálogo mantido a portas fechadas tampouco foi dado a conhecer e tanto o seu
amigo quanto o leitor dele nada ficaram sabendo.No terceiro caso, o narrador e
o leitor, assim como o Doutor Olympio, só têm conhecimento de partes da carta
que, no entanto, pode ser lida, na íntegra pelo médico que a tem nas mãos.
Na estrutura narrativa esse
narrador que possui um conhecimento do que acontece menor do que o de seus
personagens, estabelece com eles uma relação que, sob o ponto de vista da
informação, Oscar Tacca chama de deficiente. No relato, essa deficiência
ocasionará verdadeiras zonas de sombra.
Em Um castelo no pampa, essas zonas de sombra se inserem nas zonas de
luz onde tudo é dito pelo narrador onisciente. E a narrativa se constrói,
alternando-se o dizer com o silêncio.
Sem dúvida um sábio
entrelaçamento em que esse recurso narrativo se alia a outros que as múltiplas
vozes do romance fazem emergir mostrando o domínio da arte de narrar que faz
desse romance de Luiz Antonio de Assis uma obra engenhosa e cativante.
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