Primeiro, uma frase: -Cuidado! Ele é um provocador! Logo, a
menção de quem a pronunciara, o homem
alto de roupa encolhida e a
informação de que se dissimulara entre os viajantes que entravam e saiam.
Então, se esclarece que o lugar é um hotel e que naquele momento chegara um
caminhão lotado em que vinham de Porto Alegre rapazes e moças, carregando
instrumentos musicais. Eles cantavam e gritavam, antecipando o carnaval.
No parágrafo seguinte é
mencionado o nome daquele a quem fora dirigido o conselho, Manivela, que olha
para o que se passa a seu redor. Mas, na verdade, tornando a ouvir o aviso,
lembrando os conceitos aprendidos numa reunião clandestina em que o rapaz do
Rio de Janeiro que viera instruir
falara muito sobre provocadores, policiais, delatores, espiões, todos perigosos
para o movimento revolucionário.
Nele, Manivela não tinha interesse e nem queria ter nada em comum com os que a
ele pertenciam. E não lhe escapara a
coisa em relação a Norberto, o eventual companheiro de viagem. Apenas não
pensara no perigo que de sua companhia pudesse advir. E pretende dar uma boa
corrida no provocador, lembrando-se do ar pedante do instrutor a dizer que tal conduta está errada. Como se fosse obrigado a resolver esses casos à maneira deles, segundo
uma técnica revolucionária...
Construído em diferentes
níveis temporais – o presente em que a frase é pronunciada, o passado em que
sucedera o episódio com Norberto e outro passado, mais remoto, em que
participara da reunião clandestina – esse breve texto é feito da frase grifada,
de rápidas informações sobre o ambiente e, sobretudo, daquilo que passa pela cabeça
de Manivela e de suas sérias intenções de repudiar o provocador.
Na verdade, um texto que se
antecipa à narrativa lineal do episódio, síntese do que será relatado mais
adiante em Desolação, o terceiro
romance de Dyonélio Machado, publicado em 1944 pela José Olympio e cuja segunda
edição é de 1981 pela Editora Moderna.
Porque a partir dessa frase Cuidado! Ele é um provocador!, Manivela não mais se liberta da história: ter lido panfletos subversivos, ter participado de uma
reunião clandestina, mostrado interesse pelas palavras do provocador, ter
viajado em companhia de um militante e, em conseqüência disso tudo, imaginar
que está sendo observado pela polícia ou, verdadeiramente, estar sendo
observado pela polícia. E, ainda, ganhar de presente livros politicamente
comprometedores.
Desolação é mais do que o relato de cotidianos episódios feitos da dificuldade
em consertar um velho e pequeno caminhão para poder seguir viagem como talvez
possa parecer. É o drama que vive Manivela nas suas angústias e nos seus medos
da repressão, nas suas emergentes dúvidas sobre as verdades entrevistas nas
palavras do militante.
É muito claro nesse
parágrafo que se segue á frase inicial do romance, quando diz da chegada dos novos hóspedes ao hotel, a
alienação que os domina na alegria da música e do carnaval próximo que, se por
um lado, envolve as demais pessoas do hotel, por outro, mostra o quanto estão
distantes de tudo o que não seja aquele momento de euforia.
Logo, também, claramente se
esboça esse jogo que irá envolver Manivela e seus reais ou pretensos
perseguidores, armado no micro universo de Águas Claras – metáfora de um espaço
nacional – que tanto ignora os caminhos do movimento revolucionário como a
trajetória daqueles que o querem impedir.
Um breve espaço em branco,
como que uma pequena pausa, separa este rápido texto que dá início ao romance,
do relato que, só então, efetivamente se inicia.E guiado por mão de um mestre:
narra uma história com recursos romanescos que permitem expressar muito mais
do que parece estar explícito na
narrativa,
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