Manivela acha que houve
“progresso”. A terra, que não estava dando nada, agora está coberta de uma
grande lavoura de cana. Ao redor, o engenho e a fábrica fazendo progredir a
região. Um verdadeiro bem que acontece a custa da pequena trajetória do
sitiante do litoral: ele vende sua porção de terra porque não pode explorá-la;
com o dinheiro, compra uma carreta e uma junta de bois, querendo, com isto, ganhar
o seu sustento. Mas, a voracidade dos
estômagos e voragem grande também das
doenças o leva à venda da carreta e dos animais. E ei-lo despojado de tudo.
Manivela percebe que há um
bem e que há um mal nesse processo, não entende, porém, como isso é possível.
Sabe que certamente foi o destino do praieiro do Quintão: franzino, de pequena estatura, pernas parecendo de guri. Como que
em acorde com o rancho de terra batida em que mora e com as árvores ralas e raquíticas que a rodeiam no
descampado à beira mar. Como esse seu pobre ofício de conduzir no verão os veranistas
através da areia para as praias.
Viera ali erguer o rancho,
aproveitando as sobras de um outro que existira, para um viver cheio de
pobreza, ignorado nesse áspero destino por um governo que diz estar tomando as
medidas necessárias mas, atento, apenas, aos movimentos de oposição.
No romance Desolação (1944) de Dyonélio Machado,
esse praieiro que vive no meio do vento e da areia, sem meios para tratar da
filha doente ou sem meios para o que quer que seja, é um personagem anônimo e
efêmero. Presta serviços a Manivela e a seus companheiros – guardando o
caminhãozinho em que viajam enquanto estão na praia, proporcionando-lhes uma
parca refeição quando regressam – e desaparece do relato como se a sua função
tivesse se esgotado.
Na verdade, ela se prolonga.
Ao se constituir o caso real que ilustra para Manivela o arrazoado do Dr. Matos,
aquele quadro simples e vivo que ele traça sobre a venda das pequenas propriedades litorâneas: uma calamidade. E, continua, explicando:
É claro: muitos sitiantes supõem estar
fazendo um bom negócio. Sentem suas terras disputadas por empresas
progressistas, que resolveram realizar a exploração capitalista de certos
produtos da região. A cana de açúcar, por exemplo. Mas o que estão na verdade
cavando é a sua própria ruína. Enquanto
possuíam a terra, mesmo não possuindo mais nada, ainda tinham tudo.
No silêncio e na apreensão
que se seguem as suas palavras, surge a pergunta de como remediar tal situação.
O Dr. Matos não responde. Deve, no entanto, conhecer a resposta e muito bem
porque logo será preso pela repressão.
É também ele um personagem
efêmero cujos passos, aparentemente, mal se cruzam com os de Manivela e seus
companheiros, figuras principais da narrativa. Nela, tanto como o praieiro, ele
torna presente algo do país que se quer esconder.
No romance de Dyonélio
Machado cabem esse dizer e essa situação de fato. O praieiro, vítima do
processo, ao desconhecê-lo se submete a sua prática. O Dr. Matos, ao desejar
explicá-lo, para a ele se opor ou para levar à oposição, é calado pelos
detentores do Poder.
No relato, ambos se
constituem presenças breves e passageiras. No entanto, fixam, nitidamente, um
momento do país que a ficção brasileira ignorou.

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