Atravessava a praça para se
recolher, após a festa, acompanhada pelo anfitrião. Falaram sobre o destino que
conduzia os heróis e disse: veja Doutor,
que meu nome é como se fosse uma predestinação. Jamais gostei do apelido que
me deram. Ele concordou, dizendo que
a chamaria, daí em diante pelo seu nome real Acrescenta: romântico é esse nome
de sua casa, “Eterno Amor”. E ela disse: já
isso me agrada muito, e até mandei pintá-lo de cor de rosa.
Seu nome nesse momento não é
pronunciado e ao chegar a sua casa ela o convidou para entrar.
Um breve espaço em branco
nas páginas do livro sugere o tempo transcorrido. O relato é retomado e dá
conta que os sinos soavam as cinco horas. Foi a hora em que ele se retirou.

Ela acabara de escolher o seu destino. Era jovem, rica, viúva, respeitada e havia escolhido ser amante do homem que sempre quisera. A travessia da praça entre um palacete e outro fora, para ela, o abandono da vida de antes. Já não seria mais a menina Nini, mas Urânia. E por ela é conquistado o Doutor nessa quinta vez em que se encontraram.Na primeira vez ele lhe ofereceu o lenço pois chorava o pai que apenas morrera. Na segunda, no dia de seu casamento, a presenteara com o broche de safiras. Depois, quando o marido na guerra, ele foi se despedir, como o estava fazendo com todos os vizinhos. Partia para a embaixada de Viena. Nini, quando ele aceitou um copo de refresco, pode vê-lo melhor: adquirira um ar definitivo, heroico, capaz de comandar terras, homens, seu Castelo e, ainda, brilhar nos salões da Europa. E ao responder, no que ela considerou um timbre equívoco sobre a pergunta quer lhe fizera sobre como passava a sua mulher, e observando o seu gesto lento ao depositar o copo sobre a bandeja teve uma iluminação, tão repentina e forte que a estonteou por sua verdade: um dia aquele homem seria seu.
Na sua volta da Áustria, o
encontro casual em companhia da mulher diante de sua casa, uma
breve troca de palavras, os pêsames pela morte de seu marido. E, por último,
esse jantar em que convidada, ainda Nini, pode olhar para ele e deixá-lo
surpreso por estar usando o pregador de safira.
Nos romances de Luiz Antonio
de Assis Brasil, Perversas famílias,
Pedra da memória e Os senhores do século que formam a
série Um castelo no pampa (Mercado
Aberto, Porto Alegre), a figura do Doutor e de Urânia estão a cargo de um narrador
onisciente. que dá conta do episódio amoroso onde apenas a figura feminina
interessa pois do Doutor só se conhecem as palavras e os gestos. O que pensa
de Urânia, o que sente por ela, somente é sugerido por esse brinde que lhe faz, de longe,
no dia do casamento, pelas palavras que diz ao se despedir, nas vésperas de sua
viagem a Europa. De Urânia é dito o que pensa
e o que sente nesse desabrochar da certeza que, inevitavelmente, um dia, o
Doutor será seu.
Ao longo da série, breves, alguns momentos felizes dessa relação que não mais se desfaz.
Já velho e doente ele a
manda chamar e Urânia enfrenta a viagem de trem, a caminhada sob a chuva e o
vento, a entrada na casa, que lhe estaria proibida, para estar com ele. A
mulher legítima fechara as demais portas da casa, apagara as luzes e se recolhera
na capela com a criadagem para rezar.
O que se disseram nessa noite
um ao outro não faz parte do relato. Tampouco, o que Urânia deve ter passado
como amante de um homem casado cuja posição política, econômica e social atraía
todas as atenções.
Morre sozinha na sua casa e
é enterrada à noite, discretamente diz a carta que anuncia a sua morte ao
Doutor e que acrescenta: [...] a cidade
custará a notar, creio eu, porque ela nunca saía do “Eterno Amor”. Dias depois,
diante de seu túmulo, o Doutor dirá que ela foi única. Sem dúvida, admiravelmente, à margem dessa sociedade classista
e conservadora do início do século na qual viveu. Isolada ao escolher o amor e
por ele se esconder em vida.
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