Tem o nome da lua porque
assim o quis a amante do pai antes mesmo de ter sido gerada. Mal nasceu, prematura,
num ritual de parteiras, febre e luzes,
é levada pelo médico abafada em panos para longe da mãe. Aos cinco anos brinca
de bonecas no seu quarto cor de rosa. Mais tarde empurra um aro na Praça da
Matriz quando Francisca Almada que será sua ama, ao saber-lhe o nome, Selene,
lamenta que chamem assim a uma criança e, então, acha até natural que tendo tal
nome, não distinga as cores.
São rápidas referências
sobre ela, esparsas no monólogo de seu filho e de seu irmão ou no texto
onisciente que relata a vida do pai ou da ama. O que ela sente e como se
orientou o seu destino aparece nos três monólogos de Perversas famílias (da série Um
castelo no pampa de Luiz Antonio de Assis Brasil, Mercado Aberto, Porto Alegre,
constituída, ainda de Pedra da memória
e Os senhores do século) cujos
títulos sintetizam as emoções e as razões que lhe nortearam as escolhas.
No primeiro, “Mare Serenitatis”, recém chegada do internato, Selene, no
seu quarto de cores abstratas para
seu olhar de confuso daltonismo,
relata o encontro com Hermes e os preparativos para o baile que tanto deseja
ir. É um dizer pueril como as roupas que veste – saia xadres, blusa escura,
casaquinho tricotado por ela mesma e soquetes – e triste diante da indiferença
da mãe: Quando, quando, mamãe, você
me enxergará?
Queixa que se reforça no
segundo monólogo, “Mare Humorum”: ela esqueceu-se
de mim naquela escola de austeros códigos de honra e castidade e Pecado. E
até o ponto de atribuir-lhe a responsabilidade de seus atos: Quem mandou minha mãe consentir no baile
entregando-me de mão beijada a um homem tão jovem... Mas não ignora que
foram as curiosidades de seus humores,
a vertigem da champanha e a aceitação em se deixar seduzir que a levaram à
noite de amor com o moço que apenas conhecera.
Logo depois do “Mare
Humorum”, um minúsculo sub-título, “Mare Crisium” dá conta da passagem do tempo
– já um ano passou – e da impossibilidade que tem de se fazer entender
pelos pais nesse desejo de querer casar com o que fabrica cofres.
No diálogo com o pai, que
lhe ignora as palavras, num discurso inoportuno e exasperante onde o
interlocutor, para ele, não tem a menor importância, Selene, no desespero de
atrair-lhe a atenção, começa a se despir. O que o pai só irá perceber quando,
nua, ela lhe estende os braços. Indignado, a esbofeteia e a expulsa do recinto
e de sua vida.
Infantil e insegura ela se
mostra, ainda, no terceiro monólogo onde conta a visita que recebe, em sua
casa, do pai de quem tanto almeja o perdão e o nascimento do filho. São as
narrativas que pertencem ao capítulo introduzido pela expressão “Mare
Fecunditatis” ao qual se acrescentam dois breves textos: “Oceanus Procellarum”
e “Lacus Somnii”.
Em “Oceanus Procellarum”,
relata a chegada do pai no quarto de hospital apenas para determinar o nome do
neto: Páris, o que morreu em Tróia com
uma flecha no peito. O glacial desprezo que demonstra por todos e pela
filha, certamente irá culminar na misteriosa
doença que a acomete depois do parto: a loucura.
Assim, no texto “Lacus
Somnii”, se refere á visita da tia que lhe diz há quanto tempo. Não se dá
conta que não vive no Rio de Janeiro mas, num país onde cai neve e entre freiras. Uma,
lhe permite ver a Lua pela janela e recomenda que reze para Nossa Senhora de Lurdes.
Seu tempo de rebeldia há
muito já passara quando a tia intercede por ela, que vivia entre estranhos e do
outro lado do mar. O pai já velho continuava insensível e a resposta que dá,
selando-lhe o destino é terrível: Ficará
para outra vida. Não tenho idade nem
coragem para enfrentar mais nada.
Reafirma, assim, a espantosa
condenação de ostracismo que Selene, louca, não pode mensurar. Como jovem não
mensurara que se casar só no civil e com alguém por ela escolhido era passível
de um castigo tão grande e tão perene . A vontade do pai-juiz que não podia ou
não devia ser discutida nesse começo de século de vozes masculinas imperou,
impedindo-a de ser mulher, de ser mãe, de viver.
Então Selene se refugiou na loucura.

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