Introduzido por um longo
título, o monólogo de Páris. Adulto, contrastando com suas atitudes perversas e
de perplexidade infantil.
Menino expulso do colégio,
ele chega na fazenda do avô, neto espúrio e visto pela primeira vez. Não sabe
quem é, nem quem são os seus pais e tenta descobrir o mistério que lhe envolve
as origens.
Um narrador onisciente
relata essa chegada e seu olhar de espanto diante da vida que transcorre na
casa que mal sabe também ser sua.Depois, são os capítulos que na primeira
pessoa, relatam o que ele pensa ou faz. Também um certo aprendizado diante do
que vê e do que percebe e que lhe transmite uma visão sórdida da família e dos
ambientes que irá descobrindo.
Relatos onde o anedótico
apresenta muitas faces e do qual faz parte o folhetinesco, o drama, o tragi-cômico,
o jocoso, o fantástico, o lírico.
É a busca de uma verdade
escamoteada em nome das convenções que ele procura decifrar nos entremeios das conversas; é o olhar dominado pela imaginação, criando esdrúxulas
situações; é a morte deixando vazios; é o conhecimento intempestivo e prematuro
dos jogos sexuais; é o faceto exame dos animais no quartel; é esse aparecer dos
mortos a conversar com os que ainda fazem parte dos vivos; e é esse sentir de
menino criado sem pai nem mãe.
Ao todo, em Perversas famílias, primeiro volume da
série Um castelo no pampa de Luiz
Antonio de Assis Brasil (Mercado Aberto, Porto Alegre), intercalados aos demais
capítulos, feitos de monólogos de outros personagens e de narrativas em segunda
e em terceira pessoa, são sete monólogos.O último cujo título é “Como um açougueiro
entrou na minha consciência” se constituí de episódios tragicômicos cujo relato
de criança se aproxima da crítica sarcástica às instituições. E de um extremo
lirismo quando expressa a sua angústia diante do segredo, verdadeira muralha,
que o impede de conhecer a própria história.
Diante
do obstinado silêncio da tia Beatriz que dele se ocupa, a agride, grita e foge:
saí correndo porta a fora como se viesse
perseguido por um enxame de marimbondos diz no seu monólogo ao qual se
insere, então, um narrador onisciente que toma a palavra e Páris corria e chegava ao pátio e olhava para os lados, não tinha
idéias, tinha, foi ao portão e galgou desesperado o portão de ferro e galgou e atingiu
um leão e montado na fera secular, voz substituída pela primeira pessoa do
monólogo que, sem transição, retoma o relato: bradei para todas as esquinas e praças de Pelotas que era um menino e
que apenas procurava saber quem eu era e assim aos gritos fui chamando a
atenção de todos e veio também Beatriz que coitada dizia o meu nome.
Novamente, se interpõe o narrador onisciente: e Páris então impôs condições
para descer e Beatriz concordou sim e outra vez o relato é retomado na primeira
pessoa para dizer de seu sofrimento ao se dar conta de que todos, na cidade, já
conheciam o que ele tanto queria saber e de seu desejo, súbito, de jamais
chegar ao chão porque nunca mais seria o mesmo.
Importante, na construção do
personagem cuja trajetória aventureira e rebelde irá continuar em Pedra da memória e em Os senhores do século, volumes que se
seguem à Perversas famílias, o
episódio que se impõe pelo dinamismo a ele conferido nessa intercalação de
narradores e pela
quebra da emoção contida na voz do menino quando interrompida
pelo contar do narrador onisciente.
A esse recurso narrativo
(que aparecerá, também, em outro monólogo de Páris que faz parte de Pedra da memória) irão se aliar, muitas
vezes, a maestria do dizer, a força de algum personagem, o sábio entrelaçar das
histórias. O bastante para fazer de Um
castelo no pampa um romance cuja criatividade formal o torna não somente
uma deleitosa leitura mas uma obra instigante e sedutora.




