domingo, 4 de fevereiro de 1996

Salão de espelhos

          Em 1985, Carlos Fuentes publicou Gringo Viejo, pela Fondo de Cultura Económica.

          O título sugeriria ser o velho norte-americano a razão da narrativa. Foi, certamente, dela a origem como esclarece a nota do autor no final do romance, construído a partir das circunstâncias em que Ambrose Bierce, jornalista da rede Hearst e ficcionista, desapareceu no mês de novembro de 1913.

          Havia se despedido epistolarmente de seus amigos; dizia-se velho e cansado e se acreditando no direito de escolher a maneira de morrer.

          Inventar o que poderia ter ocorrido na última aventura em que se engajou, foi tarefa do romancista. Em Gringo Viejo, como personagem, é o norte-americano de quem todos ignoram o nome, cuja vida se entrelaça com a de Harriet Winslow e com a vida de Tomás Arroyo: uma professora de Washington perdida em meio a uma revolução que ignorava estar em curso; e o mexicano, um dos generais dessa revolução.

          Seres antagônicos com uma visão de mundo a impedir que se compreendessem mas vencidos pelos sentimentos nos quais se enovelaram.

          Os norte-americanos, fugindo de seus fantasmas; o mexicano em busca de uma identidade negada, do espaço que lhe fora roubado. Fruto da violência, a conquista do que não possuíra só poderia, então, acontecer pela violência. Porque uma nova violência era necessária para acabar com a velha violência.

          A professora, acreditando nas regras que seguia; o mexicano, querendo criar aquelas que fariam desaparecer as humilhações, a submissão. Que levariam a um mundo já não mais dominado pelos caciques, pelas sacristias, pelas aristocracias ridículas.

          Era o general – a desgraça me nomeou general – igual a seus homens. Igual àqueles que não mais queriam viver de cabeça baixa e que haviam se dado o direito de lutar.

          Na fazenda, cercada por um deserto que os proprietários desejavam estéril e duro para se proteger e que não impediu, porém a passagem dos revolucionários, eles entraram vitoriosos. Dela tomam posse e no salão de baile, um Versalhes em miniatura, irrompe a festa. Gritos e risos se erguem, seguidos de um repentino silêncio. Quando os homens e as mulheres da tropa do General Tomás Arroyo, pela primeira vez, se vêem refletidos num espelho.Paralisados por suas próprias imagens, pelo reflexo corpóreo de seu ser, pela integridade de seus corpos, giraram lentamente, como para se certificar de que não era mais uma ilusão. Foram capturados pelo labirinto de espelhos.

          As paredes cobertas de espelho, destinadas a refletir, perpetuamente a dança elegante dos donos da terra, reproduziram, nesse momento, a gente do povoado e da Revolução. De repente, eles se haviam reconhecido nas imagens que viam. Somos nós, disse alguém e a expressão se repetiu enquanto a música se fazia ouvir.

          E os passos de dança e a alegria se instalaram no salão de espelhos.

          Os antigos donos já se haviam refugiado em Paris fugindo do pó, das balas, do confronto.

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