O pai a levou, menina, para
o convento. Tinha doze anos e haviam dito que estava endemoninhada. Era um domingo
de Ramos e, antes de chegar ao destino, branco e solitário perto da praia, seu
pai a consolou: Vais ver sempre o mar das janelas.
E mal as portas se abriram,
Sierva Maria, assim se chamava, foi levada para dentro sem tempo de despedidas.
A última lembrança que o pai dela teve foi vê-la atravessando a galeria do
jardim, o pé machucado, antes de desaparecer no claustro do qual jamais sairia.
O sentimento do pai foi a
esperança de que a menina se virasse para olhar para ele. Foi uma esperança vã
como foi, em vão, pouco depois, seu intento de tirá-la dali.
Era na época em que as
terras do Continente pertenciam à Coroa ibérica e em que seus habitantes eram regidos,
sobretudo, pelas normas do Santo Ofício.
À mercê dessas normas, ficou
a menina.
Del amor y otros demonios (Buenos Aires, Sudamericana, 1994) é um livro
belíssimo. Feito de uma perfeição narrativa já presente em Crônica de uma morte anunciada, eivado desses “achados”
linguísticos que parecem inesgotáveis em todo texto de Gabriel García Márquez,
centra-se – já o título o indica – no amor.
E para tratar do amor,
poucos textos foram tão singularmente líricos, expressão luminosa no universo
de trevas onde reinavam, impunes, os outros demônios. Neles, a gênese da
maldade insana, praticada em nome de leis e de rituais.
Frágil, inocente, indefesa,
maltratada, manietada, Sierva Maria suporta os maus tratos, a falta de liberdade,
o isolamento. Acusada de se comunicar com os animais, de encantar, a quem a
escutasse, com canções demoníacas, de se tornar invisível.
Mas, ter o demônio dentro de si, no convento significava a fascinação de uma aventura novidadeira
e, apesar do medo, as noviças e as monjas, impelidas pela curiosidade, iam até
sua cela pretendendo que servisse de estafeta com o diabo para lhe pedir
favores impossíveis. Mas, sobretudo, conduzia aos exorcismos do Santo Ofício.
No amanhecer do dia 27 de
abril foram buscá-la para submetê-la ao ritual. Um ritual que, se não fosse o
registro dos historiadores, dir-se-ia uma louca invenção alucinante de
ficcionista.
E o ficcionista, escrevendo
o mais cruel de seus livros, a mais triste de suas histórias, evidentemente,
ficou ainda, bem longe daquelas que, nos tempos idos, o Continente dos ibéricos
presenciou.
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