No dia 12 de julho de 1904
nascia Pablo Neruda em Parral, essa pequena localidade chilena cujo nome, mais
tarde, o poeta irá imortalizar em algum poema ao se submeter a esse impulso que
o crítico Emir Rodriguez Monegal chama de impulso
auto-biográfico e memorialista.
A primeira expressão desse
registro de sua vida aparece no XV Canto, “Yo soy” do Canto general. No poema “La frontera”, que inicia a série, são lembranças
infantis das suas relações com o limitado mundo em que viveu seus primeiros
anos – a casa sem cidade, apenas
protegida por reses e macieiras –
um mundo pródigo de formas, cores e perfumes.
São essas, certamente, as
mais remotas imagens que pode recordar: um nascer para o mundo o que, então,
explicaria a data de seu nascimento, acrescentada ao título do poema.
De seu nascimento, irá dizer
nos primeiros versos de Memorial de Isla
Negra, livro que publica em 1964, onde evoca o passado, não a partir de uma
linha cronológica e circunstacial mas reconstruindo poeticamente o que lhe foi
de felicidade ou de tristeza. No poema “Nacimiento” faz fé de suas raízes: a
lembrança da mãe morta, a certeza de ser um, dentre os muitos outros que ali,
na região montanhosa, também nasceram.
Uma visão de mundo na qual
ele não pode se dissociar dos demais, separar-se daquilo que o rodeia. Pablo
Neruda quando fala de si mesmo, fala de todos os homens: impossibilidade de
existir sem ver os outros, sem sentir os outros.
Em Confieso que he vivido, seu livro de memória, registra um de seus
aniversários. Visitava a China e Jorge Amado e Zélia Gattai eram seus
companheiros de viagem. Num barco onde se amontoavam mil passageiros, navegaram
pelo rio Yang Tsé tendo como chefe da delegação o poeta chinês Ai Chiang,
posteriormente exilado para o deserto de Gobi e impedido de assinar seus
versos.
Nessa viagem pelo rio, como
anfitrião, ele fazia as honras da mesa que se
cobria de legumes dourados e verdes, peixes acri-doces, patos e frangos
guisados de estranha maneira, sempre deliciosa.
Uma tal fartura não impediu,
porém, que os convidados sentissem falta da comida ocidental, induzindo Zélia
Gattai e Matilde Urrutia, a mulher de Pablo Neruda, a planejarem, para festejar
seu aniversário, um frango assado e uma breve salada de tomate e cebola picada.
Para isso, tiveram que
realizar idas e vindas e conversações com o chefe da delegação chinesa que
argumentava estar o país mergulhado em austeridade e, portanto, fora de cogitação
– Mao Tse Tung já havia renunciado a fazê-lo – comemorar um aniversário.
As duas mulheres, no
entanto, foram inflexíveis e Pablo Neruda, nesse 12 de julho de 1957, teve à
mesa o frango assado, prêmio dourado
daquele debate. Ali perto, na grande mesa preparada especialmente para os
convidados, como em todos os outros dias, luziam as travessas fulgurantes.
Mas, já os olhos de Pablo
Neruda se haviam pousado nas centenas de chineses que viajavam apertados no
barco onde os estrangeiros recebiam privilégios. Já se haviam pousado, igualmente,
nas margens do rio onde o definitivamente extraordinário era o trabalho do
homem em qualquer minúsculo pedaço de terra que emergisse dentre as rochas: na imensa altura, no cimo dos muros
verticais, onde haja uma dobra guardando um pouco de terra vegetal, ali há um
homem chinês cultivando-o. A mãe terra chinesa é ampla e dura. Ela disciplinou
e deu forma ao homem, transformando-o em instrumento de labuta incansável,
sutil e tenaz. Essa combinação de ampla terra, extraordinário trabalho humano e
eliminação gradual de todas as injustiças, fará florescer a bela, extensa e profunda
humanidade chinesa.
Palavras que deveriam
emocionar os homens do Continente, habitantes de uma terra tão vasta quanto
generosa se, na sua grande maioria – os mazombos, como os chama Vianna Moog -
não pensassem somente em espoliá-la.
Porque essa visão do poeta,
verdadeiro sonho de esperança, seria certamente possível na China e em qualquer
outro lugar em que os homens fossem dominados pelo desejo de construir um país.
O que parece não existir
nessas plagas onde aportaram os ibéricos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário