Em 19 de junho de 1985
morria, em Porto Alegre, o romancista Dyonélio Machado. Nascido sob a égide da violência, para usar a expressão com que Antonio Hohfeldt inicia o
seu estudo sobre o escritor para o nº 10 de Letras Riograndenses (Porto Alegre, IEL, 1987), é inegável ter sido
a violência uma presença no seu destino de menino pobre que aos sete anos viu o
pai assassinado e que mais tarde, por convicções políticas, passaria dois anos
na prisão.
No entanto, a pobreza não
foi o bastante para impedir que se tornasse médico, nem as perseguições o
fizeram desistir de lutar pelas idéias em que acreditava, nem o descaso dos
editores e as críticas adversas lhe tiraram a vontade de escrever.
Um pobre homem, sua primeira obra de ficção, um livro de contos, data de 1927,
publicado pela Globo de Porto Alegre. Somente em 1935 apareceria a segunda, um
romance que recebeu o Prêmio Machado de Assis: Os ratos. A ele se seguiram O
louco do Cati (1942), Desolação
(1944), Passos perdidos (1946), Deuses econômicos (1966), Prodígios (1980), Endiabrados (1980), Sol
subterrâneo (1981), Nuanças
(1982), Ele vem do fundão (1982), Fada (1982).
Fada é
a breve história de um amor contrariado pelo interesse de Elias Jafaldo em
casar sua única filha com o fazendeiro cujas terras fazem limite com as suas.
Estabelecido o impasse com o
pedido de casamento, o relato que até então estava centrado em Fada, passa a
ser feito a partir das emoções de D’Artagnan Laval que, embora a amando, não se
decide a lutar por esse amor. E se refugia na feitura de uma obra de ficção
depois de ultrapassar seu primeiro dilema: ou escrever à mão e depois passar à
máquina ou escrever diretamente à máquina.
Também se refugia num bairro
da cidade onde tem por vizinho Dionísios Madureira, o escritor maldito. Sem dúvida um alter-ego de Dyonélio Machado o que é claramente discernível não
apenas na primeira sílaba dos dois nomes mas na similitude dos destinos.
Dionísios Madureira, médico
e escritor, preso por ter publicado um
livro considerado perigoso, é a voz de Dyonélio Machado, diagnosticando o
momento em que vive: a força ditando a moral o que significa uma volta ao
passado, o misticismo do mundo católico a se desfazer em seitas.
É um escritor cujo nome é
dito aos cochichos e cuja obra é lida por jovens dados à Literatura enquanto a classe
atuante dos leitores, dos críticos de
jornais, dos editores do momento
o consideram um escritor passado, morto
há muito tempo. Talvez porque
resultasse desagradável ou muito penoso a essa classe, a esses críticos, a
esses editores se descobrirem numa ficção que retratava mimeticamente o grupo
social a que pertenciam. Porque Presságios,
o livro que Dionisios Madureira escreveu, é um romance de costumes, tendo a luta de classes num enfoque o seu tanto
original: a extinção progressiva e fatal da pequena burguesia.
No que se refere à criação
literária, também um alter-ego, o
próprio D’Artagnan Laval. Autor de uma obra, “Fantasia”, como a Trilogia da Libertação de Dyonélio
Machado cujos personagens pertencem ao mundo da mitologia grega e com um claro
sentido político-social que foi recebida com o encarniçamento da crítica ao
considerar que tudo lhe faltava, não
tinham técnica, não tinham lógica, não tinham atualidade.
Quase com essas mesmas
palavras, o “veredictum” de Moisés Vellinho sobre O louco do Cati, romance que Dyonélio Machado publicou em 1942. O
futuro mostraria que o crítico gaúcho não tinha razão. Muitos anos depois, essa
obra de Dyonélio Machado seria reabilitada
(e assim foi também para a obra de seu personagem) embora, com certeza, sobre
ela não tenham sido feitas, ainda, uma apreciação que, detalhadamente, lhe
enumere as qualidades e, sagaz, saiba interpretá-la.
Antes que essa justiça
crítica fosse feita, morria, aos 89 anos, Dyonélio Machado. Não sem antes por,
um ou outro, pingo nos is. Porque Fada,
essa pequena obra curiosa – como que estranha às demais que ele escreveu –
passou a cumprir um papel certamente não negligenciável ao abrigar nas suas
páginas esses “alter-egos” do velho escritor.
Que, afinal, achou um jeito
de ir dizendo, como quem não quer nada, o que, certamente, precisava ser dito.
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