domingo, 2 de julho de 1995

A resposta

          Em 19 de junho de 1985 morria, em Porto Alegre, o romancista Dyonélio Machado. Nascido sob a égide da violência, para usar a expressão com que Antonio Hohfeldt inicia o seu estudo sobre o escritor para o nº 10 de Letras Riograndenses (Porto Alegre, IEL, 1987), é inegável ter sido a violência uma presença no seu destino de menino pobre que aos sete anos viu o pai assassinado e que mais tarde, por convicções políticas, passaria dois anos na prisão.
          No entanto, a pobreza não foi o bastante para impedir que se tornasse médico, nem as perseguições o fizeram desistir de lutar pelas idéias em que acreditava, nem o descaso dos editores e as críticas adversas lhe tiraram a vontade de escrever.
          Um pobre homem, sua primeira obra de ficção, um livro de contos, data de 1927, publicado pela Globo de Porto Alegre. Somente em 1935 apareceria a segunda, um romance que recebeu o Prêmio Machado de Assis: Os ratos. A ele se seguiram O louco do Cati (1942), Desolação (1944), Passos perdidos (1946), Deuses econômicos (1966), Prodígios (1980), Endiabrados (1980), Sol subterrâneo (1981), Nuanças (1982), Ele vem do fundão (1982), Fada (1982).

          Fada é a breve história de um amor contrariado pelo interesse de Elias Jafaldo em casar sua única filha com o fazendeiro cujas terras fazem limite com as suas.
          Estabelecido o impasse com o pedido de casamento, o relato que até então estava centrado em Fada, passa a ser feito a partir das emoções de D’Artagnan Laval que, embora a amando, não se decide a lutar por esse amor. E se refugia na feitura de uma obra de ficção depois de ultrapassar seu primeiro dilema: ou escrever à mão e depois passar à máquina ou escrever diretamente à máquina.
          Também se refugia num bairro da cidade onde tem por vizinho Dionísios Madureira, o escritor maldito. Sem dúvida um alter-ego de Dyonélio Machado o que é claramente discernível não apenas na primeira sílaba dos dois nomes mas na similitude dos destinos.
          Dionísios Madureira, médico e escritor, preso por ter publicado um livro considerado perigoso, é a voz de Dyonélio Machado, diagnosticando o momento em que vive: a força ditando a moral o que significa uma volta ao passado, o misticismo do mundo católico a se desfazer em seitas.
          É um escritor cujo nome é dito aos cochichos e cuja obra é lida por jovens dados à Literatura enquanto a classe atuante dos leitores, dos críticos de jornais, dos editores do momento o consideram um escritor passado, morto há muito tempo. Talvez porque resultasse desagradável ou muito penoso a essa classe, a esses críticos, a esses editores se descobrirem numa ficção que retratava mimeticamente o grupo social a que pertenciam. Porque Presságios, o livro que Dionisios Madureira escreveu, é um romance de costumes, tendo a luta de classes num enfoque o seu tanto original: a extinção progressiva e fatal da pequena burguesia.
          No que se refere à criação literária, também um alter-ego, o próprio D’Artagnan Laval. Autor de uma obra, “Fantasia”, como a Trilogia da Libertação de Dyonélio Machado cujos personagens pertencem ao mundo da mitologia grega e com um claro sentido político-social que foi recebida com o encarniçamento da crítica ao considerar que tudo lhe faltava, não tinham técnica, não tinham lógica, não tinham atualidade.
          Quase com essas mesmas palavras, o “veredictum” de Moisés Vellinho sobre O louco do Cati, romance que Dyonélio Machado publicou em 1942. O futuro mostraria que o crítico gaúcho não tinha razão. Muitos anos depois, essa obra de Dyonélio Machado seria reabilitada (e assim foi também para a obra de seu personagem) embora, com certeza, sobre ela não tenham sido feitas, ainda, uma apreciação que, detalhadamente, lhe enumere as qualidades e, sagaz, saiba interpretá-la.
          Antes que essa justiça crítica fosse feita, morria, aos 89 anos, Dyonélio Machado. Não sem antes por, um ou outro, pingo nos is. Porque Fada, essa pequena obra curiosa – como que estranha às demais que ele escreveu – passou a cumprir um papel certamente não negligenciável ao abrigar nas suas páginas esses “alter-egos” do velho escritor.
          Que, afinal, achou um jeito de ir dizendo, como quem não quer nada, o que, certamente, precisava ser dito.

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