Sevilla, o personagem, se
suicidou, atirando-se pela janela do quarto no qual se hospedava em Madrid. O
mesmo quarto em que, meses depois, estariam o escritor Bryce Echenique e sua
mulher de onde, olhando pela janela, viram a mesma paisagem que vira Sevilla
antes de morrer e que os levou a pensar, como ele também o fizera, nas
montanhas do Peru.
Por se chamar Sevilla é que
ele viera a Madrid. Fora uma regra do jogo: aquele cujo sobrenome fosse igual
ao de uma cidade da Espanha, ganharia uma passagem de avião pela Companhia
Aérea que então se instalava no país, para Madrid, além da hospedagem e dos
passeios de praxe.
Humilde funcionário público,
Sevilla se vê, de repente, ganhador de um concurso e levado às cerimônias de ocasião e a realizar a viagem e todos os
programas estabelecidos. Das mãos de um relações públicas dos escritórios da
Companhia Aérea, em Lima, passou para as mãos de um relações públicas dos
escritórios da Companhia Aérea em Madrid. Tímido, inexperiente, ingênuo,
ninguém lhe dava ouvidos, nem sua vontade era levada a sério. Sem ter quem o
escutasse nas suas mais pequenas reivindicações, obrigado a passar esses dias
submisso às opções alheias e com a saúde em frangalhos, Sevilla não pode fugir
à atração da janela.
Antes disso, porém, já havia
perdido a noção de tudo quanto vivia. Esquecera já o que fizera e onde estivera
nessa noite que passou em claro como que esperando algo. Pela manhã, diante da
janela, se lançou no voo breve que o levaria para a liberdade ou para ser
feliz.
É o momento em que o relato
se torna parco, conciso. É anunciado que o que aconteceu foi coisa de segundos,
pelas nove da manhã. Que Sevilla se encolheu, fechou os olhos e, num instante
de coragem, passou para o vazio. Informações rápidas, rodeadas de outras: o que
viu nessa hora e que foi o mesmo que viu seu autor meses depois; que suas costas
foram mil vezes fotografadas pelo japonês seu companheiro de viagem; que o
lançar-se pela janela, foi como entrar no cinema sem entrada nesse dia
longínquo de sua infância.
Até então, essa para ele
desmesurada aventura, de sair de sua casa pobre e partir para Madrid, havia sido
narrada com vagar, numa linha sinuosa, enriquecida de trocista mordacidade que,
se por um lado o mostra vítima de um mundo estereotipado e medíocre, por outro,
não perdoa o incongruente e o ridículo desse mundo.
Assim, os clichês: o
norte-americano, que só pensa em tomar cerveja; o japonês, que tudo fotografa;
o guia turístico, determinando sempre os mesmos itinerários e o que é digno de
ser visto. Assim, as pequenas misérias de uma sociedade classista onde os que
se consideram elite são seguidores prazerosos dos modelos forâneos.
Nascido em 1939, no Peru,
Alfredo Bryce Echenique foi Prêmio Casa de las Américas, em 1968, na categoria
Contos. É desse ano a publicação de seu primeiro livro Huerto Cerrado. Dois anos depois, o aparecimento do romance Un mundo para Julius reafirmaria essa
trajetória de humor e de crítica, iniciada nos seus primeiros textos onde não
poupa a elite limenha, certamente igual a todas as elites ou, pelo menos,
aquelas que, no Continente, assim se proclamam.
“Muerte de Sevilla en
Madrid” foi escrito em Paris em 1971 e faz parte de seus Cuentos completos. Separadamente, também foi publicado pela Alianza
Editorial de Madrid em 1994, quando Alfredo Bryce Echenique já havia publicado
outro livro de contos La felicidad já já
e os romances Tantas veces Pedro e La vida exagerada de Martin Romaña.
Os vinte anos que passaram
não o envelheceram. Continua a ser um texto brilhante e contundente. Para
aqueles que sabem também ler nas entrelinhas.



