domingo, 5 de março de 1995

Promessas

Prometeu a máquina de chover, os viveiros portáteis de animais de mesa, os azeites da felicidade que fariam crescer legumes na caliça e pencas de amor-perfeito nas janelas. Gabriel García Márquez

          É um conto de amor de Gabriel García Márquez, "Muerte constante más allá del amor", publicado junto com outros seis em La increíble y triste Historia de la cándida Eréndira y de su abuela desalmada (Sudamericana, 1972)

          Em troca de uma falsa carteira de identidade que o pusesse a salvo da justiça, seu pai a enviou para prestar favores ao Senador Onésimo Sánchez. Ele fora para Rosal del Virrey em campanha eleitoral e ali, no mísero povoado, encontrara a mulher de sua vida. Que não possuiu e morreu chorando por isso, porque, todo o tempo que estivera com ela, seis meses e onze dias, quisera, apenas, tê-la perto para se salvar da enorme e definitiva solidão em que se encontrava.

          Era engenheiro metalúrgico formado por universidade européia, casado com uma alemã e pai de cinco filhos. Aos quarenta e dois anos estava condenado à morte por uma doença cujas dores, somente com os artifícios dos remédios se acalmavam. Abraçado a Laura Farina, cuja pele tinha a cor do petróleo cru e cujos olhos claros eram cheios de luz, ele passou os últimos dias de sua vida.

          Laura Farina vivia num povoado nos confins de um deserto onde jamais havia crescido uma rosa. Submete-se ao amor desse homem que nunca vira, como se submetera às ordens do pai. E, apesar de ver a borboleta de papel revoltear muitas vezes antes de ficar grudada na parede de onde a quer tirar, logo desiste diante das palavras que lhe dizem ser impossível arrancá-la dali pois é só uma pintura.Transformara-se a borboleta em pintura, como os pássaros de papel jogados para o ar durante o comício tinham adquirido vida e voado para o mar. Transformara-se o Senador ao abandonar uma vida inteira e o resto que lhe faltava viver para se refugiar no amor proibido.

          Metamorfoses que fogem da lógica dos fatos, conduzindo o relato para um universo ambiguamente fantástico, incrustado nesse outro que pareceria igualmente fantástico se não fosse tão real.  O universo de campanhas eleitorais onde contracenam os descalços, os esquálidos com os que mantém o sistema servindo-se das promessas de sempre.    Os que assistem, sob um céu escaldante, a consabida mesma farsa, pedindo não mais do que pequenas coisas; e os que entendem muito bem o que diz o Senador a seus iguais: Os senhores e eu sabemos que no dia em que haja árvores e flores nesta latrina de bodes, no dia em que haja sáveis em vez de vermes nos poços nem os senhores e nem eu já teremos o que fazer aqui. Estou sendo claro?

          Na praça, enquanto o discurso promete grandezas e felicidade, é armado um cenário de árvores verdes e de casas de tijolos com janelas de vidro que escondem os miseráveis ranchos da vida real. É para esse mundo de ilusão que o gesto do Senador aponta, ao terminar seu discurso de otimismo. Mas só ele percebe que a força de ser montado e desmontado também esse mundo estava se deteriorando. Os índios de aluguel que levava com ele para ajudar a aplaudir e os que o escutavam pouco sabiam distinguir.

          E de acreditar em promessas, ninguém nunca está a salvo.

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