Na opinião de Vargas Llosa,
o autor de El mundo es ancho y ajeno
é o primeiro romancista clássico do Peru. Esse romance de Ciro Alegria foi
publicado em 1941. Antes dele, já haviam aparecido, em 1935, La serpiente de oro e, em 1938, Los perros hambrientos. Depois de
muitos anos de silêncio, em 1963, Ciro Alegria publicou Duelo de caballeros.
Absorvido por atividades que
lhe asseguravam o sustento - o jornalismo, o rádio, a publicidade - e pela
participação na vida política do país, o restante de sua obra foi sendo escrita
em meio a percalços.
Quando morreu, em 1967, uma
grande parte dessa obra ainda ficaria inédita. Ensaios e relatos que seriam
dados ao público apenas na década de setenta.
De manuscritos quase
ilegíveis, recopilados por Dora Varona, sua mulher, foram publicados sob o
título Sueño y verdad de América,
pela Editora Universo, numa edição sem data, treze relatos.
O primeiro deles, que dá título
ao livro, conta a chegada de Cristovão Colombo na América. As poucas horas
vividas nas três caravelas que antecederam o grito "Terra" na
madrugada desse 12 de outubro de 1492.
Entre os demais, há o que
trata do primeiro espanhol que se "aquerenciou", vivendo feliz com
uma índia e três filhos; e outro que narra as peripécias de Rodrigo Niño,
designado guardião de oitenta e seis galés que devia levar presos do porto de
Callao no Peru a San Lúcar de Barrameda na Espanha. Em cada porto que
ancoravam, alguns fugiam e ao chegar ao destino só lhe restou um para
desembarcar. Em terra, ele também fugiu e diante das autoridades, Rodrigo Niño
se apresentou de mãos vazias.
Também conta Ciro Alegria a
epopéia do espanhol que sobreviveu a um naufrágio e à vida solitária numa ilha
deserta onde chegou apenas com seu punhal de marinheiro e onde viveu sete anos
até ser resgatado por um navio, que finalmente, percebeu os sinais de fumaça
que fazia.
Ainda há as histórias de
passageiros e eternos amores.
São todas histórias reais,
nessas crônicas dos primeiros tempos da América. Seu autores são por vezes
citados por Ciro Alegria. Outras vezes, uma data ou a precisão de certos
detalhes do relato deixam entrever a existência de um outro texto que lhe deu
origem. No entanto, poderiam ser consideradas histórias inacreditáveis se não
fosse já conhecida a capacidade que tem o Continente de permitir que nele
aconteçam situações mirabolantes.
E, mirabolante, foi,
certamente, essa ação relâmpago de León Escobar.
Ele viveu no Peru nas primeiras
décadas do século XIX. Então, a luta pelo poder emergia em qualquer lugar do
país e os contestadores, os sublevados, os revoltosos, alimentavam disputas
sempre renovadas que se multiplicavam tanto quanto o número de caudilhos.
Aquele que se instalava no
Poder, muitas vezes, devia sair para perseguir outros grupos em prolongadas ações
nos mais distantes lugares. Toda a nação
ouvia tiros e rumor de sabres,
diz Ciro Alegria.
Na capital, o Conselho de
Governo que devia responder pelo país, ficava sem uma força armada que possibilitasse
garantir a ordem. A anarquia se instalou em Lima. Os sublevados, muitas vezes,
pareciam bandidos e os bandidos, para justificar suas ações, atribuíam caráter
político aos roubos e crimes que praticavam.
E aconteceu num dia de
dezembro de 1835: León Escobar, chefe de um bando que vivia do roubo, chegou na
praça principal da cidade com as armas em riste. O bando gritava o nome do
adversário político do então mandatário no Poder e, sem dificuldade, se adonou
do Palácio do Governo.
Aos Conselheiros que
ocorreram às pressas, ele apôs suas exigências: sairia do palácio e da cidade
se lhe fosse entregue a soma que solicitava.
Com suas botas enlameadas, a
camisa suada, as calças descoloridas, sentou-se na cadeira presidencial. No canto
da mesa, pousado, seu chapéu de palha. Mas, em acorde com a sala de móveis
dourados e grandes espelhos, León Escobar se põe a altura do papel que
assumira. Recebeu de pé os Conselheiros, mandou-os sentar para discutir suas
condições. E, tendo elas sido cumpridas, por sua vez, também cumpriu as suas,
abandonando a cadeira presidencial duas horas depois de lá ter se sentado.
Conclui Ciro Alegria: Considerando que o bandoleiro León Escobar
deu a seu assalto um caráter político, pode se dizer que bateu todos os
recordes da história dos golpes de Estado. Em todo o caso, que o feito tenha
podido ocorrer, ou seja, que um bandoleiro tenha chegado a se sentar na cadeira
presidencial é um sintoma do que foi a vida política de nossos países. Nuns
mais, noutros menos, o desgoverno era o governo.

Nenhum comentário:
Postar um comentário