domingo, 26 de março de 1995
O gaúcho lirico
domingo, 19 de março de 1995
Noutros tempos
Na opinião de Vargas Llosa,
o autor de El mundo es ancho y ajeno
é o primeiro romancista clássico do Peru. Esse romance de Ciro Alegria foi
publicado em 1941. Antes dele, já haviam aparecido, em 1935, La serpiente de oro e, em 1938, Los perros hambrientos. Depois de
muitos anos de silêncio, em 1963, Ciro Alegria publicou Duelo de caballeros.
Absorvido por atividades que
lhe asseguravam o sustento - o jornalismo, o rádio, a publicidade - e pela
participação na vida política do país, o restante de sua obra foi sendo escrita
em meio a percalços.
Quando morreu, em 1967, uma
grande parte dessa obra ainda ficaria inédita. Ensaios e relatos que seriam
dados ao público apenas na década de setenta.
De manuscritos quase
ilegíveis, recopilados por Dora Varona, sua mulher, foram publicados sob o
título Sueño y verdad de América,
pela Editora Universo, numa edição sem data, treze relatos.
O primeiro deles, que dá título
ao livro, conta a chegada de Cristovão Colombo na América. As poucas horas
vividas nas três caravelas que antecederam o grito "Terra" na
madrugada desse 12 de outubro de 1492.
Entre os demais, há o que
trata do primeiro espanhol que se "aquerenciou", vivendo feliz com
uma índia e três filhos; e outro que narra as peripécias de Rodrigo Niño,
designado guardião de oitenta e seis galés que devia levar presos do porto de
Callao no Peru a San Lúcar de Barrameda na Espanha. Em cada porto que
ancoravam, alguns fugiam e ao chegar ao destino só lhe restou um para
desembarcar. Em terra, ele também fugiu e diante das autoridades, Rodrigo Niño
se apresentou de mãos vazias.
Também conta Ciro Alegria a
epopéia do espanhol que sobreviveu a um naufrágio e à vida solitária numa ilha
deserta onde chegou apenas com seu punhal de marinheiro e onde viveu sete anos
até ser resgatado por um navio, que finalmente, percebeu os sinais de fumaça
que fazia.
Ainda há as histórias de
passageiros e eternos amores.
São todas histórias reais,
nessas crônicas dos primeiros tempos da América. Seu autores são por vezes
citados por Ciro Alegria. Outras vezes, uma data ou a precisão de certos
detalhes do relato deixam entrever a existência de um outro texto que lhe deu
origem. No entanto, poderiam ser consideradas histórias inacreditáveis se não
fosse já conhecida a capacidade que tem o Continente de permitir que nele
aconteçam situações mirabolantes.
E, mirabolante, foi,
certamente, essa ação relâmpago de León Escobar.
Ele viveu no Peru nas primeiras
décadas do século XIX. Então, a luta pelo poder emergia em qualquer lugar do
país e os contestadores, os sublevados, os revoltosos, alimentavam disputas
sempre renovadas que se multiplicavam tanto quanto o número de caudilhos.
Aquele que se instalava no
Poder, muitas vezes, devia sair para perseguir outros grupos em prolongadas ações
nos mais distantes lugares. Toda a nação
ouvia tiros e rumor de sabres,
diz Ciro Alegria.
Na capital, o Conselho de
Governo que devia responder pelo país, ficava sem uma força armada que possibilitasse
garantir a ordem. A anarquia se instalou em Lima. Os sublevados, muitas vezes,
pareciam bandidos e os bandidos, para justificar suas ações, atribuíam caráter
político aos roubos e crimes que praticavam.
E aconteceu num dia de
dezembro de 1835: León Escobar, chefe de um bando que vivia do roubo, chegou na
praça principal da cidade com as armas em riste. O bando gritava o nome do
adversário político do então mandatário no Poder e, sem dificuldade, se adonou
do Palácio do Governo.
Aos Conselheiros que
ocorreram às pressas, ele apôs suas exigências: sairia do palácio e da cidade
se lhe fosse entregue a soma que solicitava.
Com suas botas enlameadas, a
camisa suada, as calças descoloridas, sentou-se na cadeira presidencial. No canto
da mesa, pousado, seu chapéu de palha. Mas, em acorde com a sala de móveis
dourados e grandes espelhos, León Escobar se põe a altura do papel que
assumira. Recebeu de pé os Conselheiros, mandou-os sentar para discutir suas
condições. E, tendo elas sido cumpridas, por sua vez, também cumpriu as suas,
abandonando a cadeira presidencial duas horas depois de lá ter se sentado.
Conclui Ciro Alegria: Considerando que o bandoleiro León Escobar
deu a seu assalto um caráter político, pode se dizer que bateu todos os
recordes da história dos golpes de Estado. Em todo o caso, que o feito tenha
podido ocorrer, ou seja, que um bandoleiro tenha chegado a se sentar na cadeira
presidencial é um sintoma do que foi a vida política de nossos países. Nuns
mais, noutros menos, o desgoverno era o governo.
domingo, 12 de março de 1995
Delmira Agustini: a mulher silenciada
Delmira Agustini, poetisa
uruguaia, nascida em 24 de outubro de 1886, é autora de El libro blanco e de Los
cálices vacios.
Seis anos medeiam entre a
publicação de um e de outro. Quando, em 1907, publicou o primeiro, tinha vinte
anos e sua veia poética ocasionou um
movimento de assombro nos círculos
literários da época, diz o crítico Alberto Zum Felde. Ainda sutil, difuso,
nessas páginas, um erotismo mascarado pelo que então, foi considerado um profundo
pensamento filosófico. Erotismo que emergiria plenamente, no livro publicado em
1913, Cálices vacios que irá fazer
da poetisa um ser isolado, vivendo em meio à desaprovação, originada dos
tradicionais preconceitos que dominavam o cotidiano de uma cidade no início do
século.
Um suposto desnudar-se que
não foi tolerado pelos padrões da época e que, na verdade, quem sabe, tenha se
constituído, apenas, num falar de sonhos. Assim, no poema "El
intruso" (que na edição da Losada faz parte de El libro blanco) embora queira se tratar de um amor consumado, os
recursos estilísticos que o constroem - tu llave de oro cantó en mi cerradura , tus
ojos de diamante, tu olor
a primavera, tu forma fué una mancha de luz e de blancura,- fazem com que o irreal e algo de prosaico se
mesclem e se submetam à verdade introduzida pelo vocativo amor, palavra inicial do poema. Em "Visión" que faz parte
de Los cálices vacios, igualmente, é
alguém que aparece na alcova; não mais luminoso mas taciturno e se inclinando para o corpo em oferta que estava à espera
del abrazo magnífico;
um abrazo /De cuatro brazos que la gloria viste / De fiebre y de milagro será
um vuelo!
Mas, desse alguém há um voltar atrás, um se
envolver em sombras.
Se no primeiro poema é, como
diz o título, um intruso que se apresenta
e que tudo iluminou nessa noite trágica, e soluçante, soluçante
e escura, no poema de Los cálices
vacios, esse alguém é presença desejada, mas em tons de sombra e nas sombras se esvanece. Pelos
cantos da noite há silêncio e sombra e solidão; a alcova se agiganta de solidão e medo. A expectativa e a espera
desse abraço, vestido de febre e de milagre,
se torna vã.
Porém, ter querido esse
abraço - ele será um vôo - e ter ousado exprimir esse desejo
fizeram da poetisa uma mulher incompreendida.
Mulher que no dia 6 de julho
de 1914 foi assassinada pelo marido de quem estava se separando. Tinha vinte e
oito anos e dela ficaram os versos.
domingo, 5 de março de 1995
Promessas
Prometeu a máquina de
chover, os viveiros portáteis de animais de mesa, os azeites da felicidade que
fariam crescer legumes na caliça e pencas de amor-perfeito nas janelas. Gabriel
García Márquez
É um conto de amor de
Gabriel García Márquez, "Muerte constante más allá del amor",
publicado junto com outros seis em La
increíble y triste Historia de la cándida Eréndira y de su abuela desalmada
(Sudamericana, 1972)
Em troca de uma falsa
carteira de identidade que o pusesse a salvo da justiça, seu pai a enviou para
prestar favores ao Senador Onésimo Sánchez. Ele fora para Rosal del Virrey em
campanha eleitoral e ali, no mísero povoado, encontrara a mulher de sua vida.
Que não possuiu e morreu chorando por isso, porque, todo o tempo que estivera
com ela, seis meses e onze dias, quisera, apenas, tê-la perto para se salvar
da enorme e definitiva solidão em que se encontrava.
Era engenheiro metalúrgico
formado por universidade européia, casado com uma alemã e pai de cinco filhos.
Aos quarenta e dois anos estava condenado à morte por uma doença cujas dores,
somente com os artifícios dos remédios se acalmavam. Abraçado a Laura Farina,
cuja pele tinha a cor do petróleo cru e cujos olhos claros eram cheios de luz,
ele passou os últimos dias de sua vida.
Laura Farina vivia num
povoado nos confins de um deserto onde jamais havia crescido uma rosa.
Submete-se ao amor desse homem que nunca vira, como se submetera às ordens do
pai. E, apesar de ver a borboleta de papel revoltear muitas vezes antes de
ficar grudada na parede de onde a quer tirar, logo desiste diante das palavras
que lhe dizem ser impossível arrancá-la dali pois é só uma
pintura.Transformara-se a borboleta em pintura, como os pássaros de papel
jogados para o ar durante o comício tinham adquirido vida e voado para o mar.
Transformara-se o Senador ao abandonar uma vida inteira e o resto que lhe
faltava viver para se refugiar no amor proibido.
Metamorfoses que fogem da
lógica dos fatos, conduzindo o relato para um universo ambiguamente fantástico,
incrustado nesse outro que pareceria igualmente fantástico se não fosse tão
real. O universo de campanhas
eleitorais onde contracenam os descalços, os esquálidos com os que mantém o sistema
servindo-se das promessas de sempre. Os que assistem, sob um céu
escaldante, a consabida mesma farsa, pedindo não mais do que pequenas coisas; e
os que entendem muito bem o que diz o Senador a seus iguais: Os senhores e eu sabemos que no dia em que haja árvores e flores nesta
latrina de bodes, no dia em que haja sáveis em vez de vermes nos poços nem os
senhores e nem eu já teremos o que fazer aqui. Estou sendo claro?
Na praça, enquanto o
discurso promete grandezas e felicidade, é armado um cenário de árvores verdes
e de casas de tijolos com janelas de vidro que escondem os miseráveis ranchos
da vida real. É para esse mundo de ilusão que o gesto do Senador aponta, ao
terminar seu discurso de otimismo. Mas só ele percebe que a força de ser
montado e desmontado também esse mundo estava se deteriorando. Os índios de aluguel
que levava com ele para ajudar a aplaudir e os que o escutavam pouco sabiam
distinguir.
E de acreditar em promessas,
ninguém nunca está a salvo.
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