domingo, 22 de janeiro de 1995

Os quase impossíveis

            A sua imagem foi sempre a de um cantor entusiasticamente aplaudido que se permitia dizer não gosto de cantar. Mas, tendo outro verso pronto para voar naquele verso que está cantando: em toda canção, há outra canção, ele dizia a Juan Capagorry numa entrevista publicada pela Trilce de Montevideu, em 1988, juntamente com seus contos.

            Foi quando chegou o fim de sua espera. Mostrar-se aos cinqüenta anos também um escritor. Autor de poemas, de crônicas, Alfredo Zitarrosa escolheu apenas doze contos para reunir no livro Por si el recuerdo. Contos doídos e dolorosos diz Eduardo Galeano. Contos que se envolvem profundamente, como suas canções, com tudo que diz respeito ao ser humano: sonhos, amores, desejos de liberdade e de justiça, anseios de fugir da solidão.
            E, assim, é em “Desnaufrágio” onde o fantástico irrompe no cotidiano do personagem sem que lhe pareça estar se alterando qualquer lógica porque certamente, para ele, não estão claras as fronteiras entre a sua própria lógica e aquela que reina na sociedade.

            Caminhava de madrugada pela praia quando completamente vestido e escorrendo água sai do mar o marinheiro dinamarquês. A noite era clara e como se fosse um encontro marcado ali se estabeleceu entre os dois um convívio de espontâneo entendimento e feliz.

            Não lhe resultou estranha essa chegada, nem inverossímil a explicação dada – o barco em que viera o marinheiro naufragara diante da cidade.

            Quando, exatamente vinte e quatro horas depois acompanhou o amigo até onde o encontrara e o viu se atirar no mar, vestido como chegara e nadar e desaparecer foi como se tudo obedecesse à ordem normal das coisas. Também, o ter nadado na direção em que, nítido sob a lua, emergia primeiro a popa, grande e branca, e depois o barco inteiro, iluminado, que se pôs a flutuar e a se mover na superfície das ondas para se perder de vista.

            Voltou, então, para casa e retomou sua vida de antes. Uma vida de tédio, angústia e solidão onde, ainda que por breve tempo, se inscrevera a amizade.

            Algo tão difícil de acontecer num mundo eivado de ferozes egoísmos como ter vindo alguém do mar e para ele ter voltado num navio que naufraga e desnaufraga.

 

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