A sua imagem foi sempre a de
um cantor entusiasticamente aplaudido que se permitia dizer não gosto de cantar. Mas, tendo outro verso pronto para voar naquele verso que
está cantando: em toda canção, há outra
canção, ele dizia a Juan Capagorry numa entrevista publicada pela Trilce de
Montevideu, em 1988, juntamente com seus contos.
Foi quando chegou o fim de
sua espera. Mostrar-se aos cinqüenta anos também um escritor. Autor de poemas,
de crônicas, Alfredo Zitarrosa escolheu apenas doze contos para reunir no livro
Por si el recuerdo. Contos doídos e dolorosos diz Eduardo Galeano. Contos que se envolvem profundamente,
como suas canções, com tudo que diz respeito ao ser humano: sonhos, amores,
desejos de liberdade e de justiça, anseios de fugir da solidão.
E, assim, é em
“Desnaufrágio” onde o fantástico irrompe no cotidiano do personagem sem que lhe
pareça estar se alterando qualquer lógica porque certamente, para ele, não
estão claras as fronteiras entre a sua própria lógica e aquela que reina na
sociedade.
Caminhava de madrugada pela
praia quando completamente vestido e escorrendo água sai do mar o marinheiro
dinamarquês. A noite era clara e como se fosse um encontro marcado ali se
estabeleceu entre os dois um convívio de espontâneo entendimento e feliz.
Não lhe resultou estranha
essa chegada, nem inverossímil a explicação dada – o barco em que viera o marinheiro
naufragara diante da cidade.
Quando, exatamente vinte e
quatro horas depois acompanhou o amigo até onde o encontrara e o viu se atirar
no mar, vestido como chegara e nadar e desaparecer foi como se tudo obedecesse
à ordem normal das coisas. Também, o ter nadado na direção em que, nítido sob a
lua, emergia primeiro a popa, grande e branca, e depois o barco inteiro,
iluminado, que se pôs a flutuar e a se mover na superfície das ondas para se perder
de vista.
Voltou, então, para casa e
retomou sua vida de antes. Uma vida de tédio, angústia e solidão onde, ainda
que por breve tempo, se inscrevera a amizade.
Algo tão difícil de
acontecer num mundo eivado de ferozes egoísmos como ter vindo alguém do mar e
para ele ter voltado num navio que naufraga e desnaufraga.
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