Com os papéis em ordem, com todos os selos e carimbos, partiu Graciliano Ramos, em abril de 1952, para uma
singular viagem que jamais pensou pudesse acontecer: Rússia e Tchecoslováquia.
Ainda não voltara ao Brasil
e já estava dominado por essa necessidade de espalhar as lembranças, por esse se sentir no dever de narrar o que
vira além das fronteiras proibidas. Viagem
é disso o resultado. Livro póstumo que, entre 1954 e 1986, teve dezesseis
edições pela Record.
Tratando-se de países de
fronteiras fechadas, é evidente que a viagem se realizou a convite e obedecendo
roteiros e programas organizados pelos anfitriões com o objetivo de mostrar a
prática do socialismo.
Homem de esquerda,
Graciliano Ramos se dispõe à objetividade e, objetivo ele se mantém ao longo
das páginas em que faz o relato das visitas a fábricas, escolas, museus,
creches e colônias de férias.
Marcado pelas opiniões de homens sagazes e verbosos que, no Brasil, sem acesso a muitas informações negavam os
avanços sociais da Revolução de outubro e as transformações implantadas na
União Soviética, muitas vezes, se mostrou desconfiado diante do que via e até
na expectativa de ver confirmada a prática da cortina de ferro no cotidiano que lhe era mostrado.
Porém, não lhe foi possível
deixar de ver que, além do usufruto do saber, da saúde, do divertimento, a
grande conquista da Revolução foi permitir que o cidadão se reconhecesse como
tal.
Constatando que trabalhadores
da indústria do chá, ao jogarem xadrez num estabelecimento de férias onde
desfrutavam de todo conforto, se mostravam firmes e seguros, isentos do
habitual sentimento de inferioridade que soe acompanhar o trabalhador braçal,
surgiu-lhe o paralelo em que, lamentável, se retrata o homem que pertence à
classe obreira no Brasil: gestos
esquivos, olhares suspeitosos, maneiras bovinas, indício de pensamento lerdo.
Um paralelo que aparece
também quando o escritor se vê diante do número de escolas e do número de
crianças que à escola tem acesso. Lembra-se dos analfabetos do Brasil, dos pequenos vagabundos famintos que
circulam nas ruas quase nus, a mendigar.
E lhe parece excessivo,
quase inacreditável, as trezentas e cinqüenta mil bibliotecas do Estado com
setecentos milhões de volumes. E se pergunta: Não acharemos neste país um analfabeto? Saudades da nossa terra
simples, onde os analfabetos engordam, proliferam, sobem, mandam, na graça de
Deus.
No ano seguinte, morria
Graciliano Ramos. Na sua terra tão simples, os livros continuaram sendo muito
poucos, as bibliotecas muito escassas, e a breve e ingênua ironia que se
permitiu sobre ela foi como um retrato do futuro.

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