e com a cabeça fria
cantei
como supunha
que vocês querem que eu cante
mas sou um militante
e minhas
canções não são minhas.
No meu país, que tristeza foi a manchete de um jornal argentino, citando um
verso de Alfredo Zitarrosa, um dos maiores nomes da música popular uruguaia.
Era o dia 17 de janeiro de 1989 e nesse dia morrera o cantor em Montevideu.
Em 1958 havia recebido um
Prêmio do Município por seu livro de poemas Explicaciones. Mais tarde, um pouco antes de sua morte, publicou Por si el recuerdo, um livro de doze
contos escolhidos entre os que vinha escrevendo ao longo da vida.
Uma vida que semeou música e
versos, expressando a solidão e o amor ou, expressando sentir daqueles que, no
Continente, ainda estão calados pela miséria ou pelas agruras do caminho que
devem percorrer os que dela querem fugir.
A sua música recupera os
ritmos do país – “candombé”, “chamarrita”, “canción”, “milonga”, “vidalita”,
“gato” – ritmos que vieram com os ibéricos para o Continente. Ou que no
Continente se criaram e que estão em perfeito acorde com as palavras que as
acompanham sempre muito próximas do que Alfredo Zitarrosa pretende sejam suas
canções: canções populares que procuram recriar o que a gente do povo sente e pensa, acendendo o fogo, arrumando
um sapato ou acreditando em Deus, sem razões suficientes, mas até por
necessidade de se sentir um homem entre os homens.
E, assim é o “candombé” Doña Soledad, a “chamarrita” Pa’l que se va e a “canción” Mire amigo.
Nas duas primeiras, o cantor
se dirige a um interlocutor. Numa das canções, como diz o título, a dona Soledad,
na outra a alguém não nominado, que está indo embora. Jovem ou próximo o
suficiente para ser tratado por tu. Em ambos os casos, trata-se de um conselho:
para dona Soledade, um incitamento à reflexão. Aquela feita a partir de uma
situação específica da sua pobreza. A pobreza que a impede de comer, de
estudar, de querer e que a faz prisioneira de um trabalho que não a deixa viver
com dignidade. A reflexão sobre o significado da palavra liberdade, um
significado difícil de encontrar nesse labirinto onde inexistem ou quase, as
saídas.
Pa’l que se va é como que inteiramente feito de provérbios: não te esqueças do pago / se vais para a cidade; não ponhas na mala o que não vais usar; não mudes nunca de trilha ainda que não tenhas para fumar; não esqueças que o caminho / é para o que vem e para o que vai.
Mas, sem dúvida, presente, a
questão social, obrigando à sofrida migração para a cidade.
Já em Mire amigo é a resposta de um peão que está se negando a escutar o
discurso político. Porque não entende as coisas, ele diz, e porque as eleições
não o interessam. Já sabe que nada irá mudar nesse universo em que o
latifundiário tem dois filhos que são doutores na cidade e que os dele não
foram à escola e mal têm o que comer.
Na estrofe final se desculpa
por não aceitar o que lhe é oferecido para beber explicando que seu trabalho
começa de madrugada: os que nascemos
peões não conhecemos o tresnoitar
e completa: ando muito mal alimentado e
se tomo vinho acabo brigando.
Situações conhecidas de
qualquer cotidiano do Continente cujo drama somente tem significado para
aqueles que o vivem. Ou aos poucos – exceções que honram os humanos – que têm
os olhos para ver e o coração para sentir o sofrimento engendrado na injustiça
social.
Contra ela Alfredo Zitarrosa
tentou lutar com a música e com o verso. Música nascida dos ritmos do passado,
acompanhando versos que buscam o amanhã de todos.
Invulgar beleza emergindo
neste Continente invadido por ritmos e palavras vãs.




