Em outubro de 1974 era
publicado o primeiro livro da L & PM de Porto Alegre Rango 1.
Histórias em quadrinhos que Érico Veríssimo ao apresentar o livro dizia terem o
valor de um editorial realista, corajoso
e pungente. Porque Rango é o deserdado que vive dos restos, o “herói” que
tenta apenas sobreviver, submetendo-se às condições que a sociedade lhe impõe.
Quando o filho pergunta se
eles não trabalham porque são aleijados Rango responde: Não, nós somos alijados.
Alijados da alimentação da
moradia. Principalmente do direito de viver como cidadão.
Rango vive no monturo, no
meio do lixo, sobre o lixo, aceitando como presença inevitável os ratos, as
moscas, os urubus que compartilham o seu habitat. Muitas vezes, dentro da lata
de lixo. Outras tantas falando desse lixo. Que é a sua realidade: monte de
lixo, depósito de lixo, produção de lixo, brigar pelo lixo, comer lixo. Um lixo
que é jogado pela janela ou transportado pelo caminhão da limpeza pública
representando uma esperança de alimento num mundo de fome. Um mundo onde o
impossível é quase tudo para ele. Sobram-lhe, apenas, constatações e perguntas.
Assim, no espaço estéril da
grande cidade, aquele que rega um vaso de flor ele considera um subversivo. Considera, também, que o
menor abandonado foi abandonado pelo maior abandonado e que a maneira de
detectar o lugar mais poluído do mundo é o eletroencefalograma. E que o mais
antigo best seller de suspense é a política salarial.
Mas, evidentemente, suas perguntas são irrespondíveis. Ao aviso de não pise na grama,Rango pergunta ao jardineiro comer pode? Escutando alguém da outra classe dizer que os marginais não produzem e se lamentam o tempo todo, ele pergunta: se eu não usar a boca para me queixar, vou usar para que? Diante da pergunta do filho: quando vão comer, ele, por sua, interroga:dia, hora, mês e ano?
Embora tenha condições de
interpretar os fatos – só é ladrão quem rouba pouco, o carnaval é um remédio
que o povo toma uma vez por ano, - seu pensamento se prende a uma só vontade, a
de matar a fome. E é o tema que se repete ao longo das historietas. Porque
Rango, o faminto, não pode expressar outra coisa a não ser que lhe falta o que
comer.
Até porque, parece que mesmo
o Deus a quem ele se dirige, o condena a ser faminto. Ao inquiri-lo sobre a
palavra mágica que lhe resolveria os problemas como é habitual a todo herói de
histórias em quadrinhos, a resposta que ouve é amém. Na verdade, é esse assim
seja que condiciona a visão de mundo de Rango.
Quando em 1977 foi editado Rango
bis, Jose Onofre, nas linhas que escreveu sobre ele, diz que o único brado
de protesto nessas suas histórias é o ronco do estômago vazio. E conclui que o
“herói” de Edgar Vasques lembra uma certa paciência que acaba conduzindo à
explosão.
Ameaça que parece não estar
preocupando ninguém.

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