Na primavera de 1984, a L&PM
de Porto Alegre publicou o número 9 da revista Oitenta, o último de uma
publicação periódica, iniciada cinco anos antes.
São artigos centrados em
questões polêmicas, entrevistas, pequenos ensaios sobre política, literatura,
cinema. Por vezes, um poema, um conto.
Muitos dos textos são
traduzidos do inglês, do francês, do italiano e, alguns deles, de leitura
verdadeiramente instigante. Em menor número, os textos brasileiros. Do
Continente, a expressão de Fidel Castro, Miguel Angel Asturias, Fontanarrosa, Pablo
Neruda, Carlos Fuentes, Juan Rulfo, Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa
em discursos, entrevistas, depoimentos, material jornalístico, reflexões. Entre
essas a de Mario Vargas Llosa, de título sugestivamente ficcional, “Reflexões
sobre uma moribunda”. Sobre a crise universitária de seu país.
Após contar um episódio
ocorrido quando de sua presença na Universidade de Bologna, ele expõe as
origens do movimento reformista universitário no Peru para, então, analisar as
soluções que desse movimento advieram e, que no seu entender, nem sempre foram
as mais acertadas, uma vez que originaram, exatamente, o inverso de objetivos
que ele considera imprescindíveis: elevar os níveis acadêmicos, manter a Universidade
atualizada, produzindo cientistas e profissionais capacitados para resolver os
problemas do país.
Para Vargas Llosa as práticas
instauradas visando o debate intelectual, a análise e a crítica, a democratização
do saber resultaram num mal entendido que não foram além das greves
indiscriminadas, do patrulhamento ideológico, da concessão de mais direitos do
que deveres.
Constatações que o levam a
concluir que em países com desigualdades sociais e problemas seriíssimos como
os latino-americanos, os universitários, professores ou alunos, são uns
privilegiados.
E como privilegiados contraem
uma dívida moral com aqueles que, pelo seu esforço e pelo seu trabalho, tornam
possível a existência da Universidade.
Dívida que devem saldar com
um estudo sério e capacitação para exercer um trabalho e para adquirir a consciência
cívica sem a qual não é possível construir uma nação.
É um dizer convicto que faz
mais do que discutir a relação Universidade versus Movimento Estudantil ao
lembrar compromissos que no Continente muito poucos são os que estão dispostos
a assumir. Pois a herança ibérica recebida determina a manutenção de
privilégios. Poder usufruí-los sempre foi, indubitavelmente, mais importante do
que o respeito a qualquer legislação.
Ao escolher esse texto de
Mario Vargas Llosa, como o de Anita Leocádia Prestes sobre a reforma agrária no
Brasil, o de Lino Agra sobre os refugiados do Vietnam, o de Fidel Castro sobre
os não-alinhados, para citar apenas alguns, Oitenta, certamente, se
propôs sanar ausências, oferecendo à leitura escritos ainda inéditos no Brasil
ou convidar à leitura e releitura de outros, talvez, ainda desconhecidos.
Valioso projeto que por
qualquer razão ou por presumíveis razões teve seu caminho interrompido.
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