domingo, 18 de dezembro de 1994

Oitenta: o caminho interrompido

           Na primavera de 1984, a L&PM de Porto Alegre publicou o número 9 da revista Oitenta, o último de uma publicação periódica, iniciada cinco anos antes.
 

           São artigos centrados em questões polêmicas, entrevistas, pequenos ensaios sobre política, literatura, cinema. Por vezes, um poema, um conto.   

Muitos dos textos são traduzidos do inglês, do francês, do italiano e, alguns deles, de leitura verdadeiramente instigante. Em menor número, os textos brasileiros. Do Continente, a expressão de Fidel Castro, Miguel Angel Asturias, Fontanarrosa, Pablo Neruda, Carlos Fuentes, Juan Rulfo, Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa em discursos, entrevistas, depoimentos, material jornalístico, reflexões. Entre essas a de Mario Vargas Llosa, de título sugestivamente ficcional, “Reflexões sobre uma moribunda”. Sobre a crise universitária de seu país.


           Após contar um episódio ocorrido quando de sua presença na Universidade de Bologna, ele expõe as origens do movimento reformista universitário no Peru para, então, analisar as soluções que desse movimento advieram e, que no seu entender, nem sempre foram as mais acertadas, uma vez que originaram, exatamente, o inverso de objetivos que ele considera imprescindíveis: elevar os níveis acadêmicos, manter a Universidade atualizada, produzindo cientistas e profissionais capacitados para resolver os problemas do país.


           Para Vargas Llosa as práticas instauradas visando o debate intelectual, a análise e a crítica, a democratização do saber resultaram num mal entendido que não foram além das greves indiscriminadas, do patrulhamento ideológico, da concessão de mais direitos do que deveres.


           Constatações que o levam a concluir que em países com desigualdades sociais e problemas seriíssimos como os latino-americanos, os universitários, professores ou alunos, são uns privilegiados.    

            E como privilegiados contraem uma dívida moral com aqueles que, pelo seu esforço e pelo seu trabalho, tornam possível a existência da Universidade.
 

           Dívida que devem saldar com um estudo sério e capacitação para exercer um trabalho e para adquirir a consciência cívica sem a qual não é possível construir uma nação.


           É um dizer convicto que faz mais do que discutir a relação Universidade versus Movimento Estudantil ao lembrar compromissos que no Continente muito poucos são os que estão dispostos a assumir. Pois a herança ibérica recebida determina a manutenção de privilégios. Poder usufruí-los sempre foi, indubitavelmente, mais importante do que o respeito a qualquer legislação.

          Ao escolher esse texto de Mario Vargas Llosa, como o de Anita Leocádia Prestes sobre a reforma agrária no Brasil, o de Lino Agra sobre os refugiados do Vietnam, o de Fidel Castro sobre os não-alinhados, para citar apenas alguns, Oitenta, certamente, se propôs sanar ausências, oferecendo à leitura escritos ainda inéditos no Brasil ou convidar à leitura e releitura de outros, talvez, ainda desconhecidos.
 

         Valioso projeto que por qualquer razão ou por presumíveis razões teve seu caminho interrompido.


Nenhum comentário:

Postar um comentário