... sou das vinhas negras de parral...Pablo Neruda
Em 1964 foi publicado El memorial de Isla Negra pela Editorial Losada de Buenos Aires. Uma autobiografia escrita em versos cuja nota maior, apesar das indignações e das melancólicas reflexões que o olhar para o mundo faz emergir, é a alegria de viver, a felicidade de criar.
Pablo Neruda o escreveu,
dizem, para festejar os seus sessenta anos e o fez, transformando em poesia as
lembranças do passado e as inquietações que o levaram pelos caminhos do mundo.
O livro está feito em cinco
partes: Onde nasce a chuva, A lua no labirinto, O fogo cruel, O caçador de
raízes, Sonata triste e se inicia com o poema “Nascimento”. Nas suas quatro
primeiras estrofes, a voz de um narrador, anunciando o nascimento de um homem
entre tantos outros e que entre muitos, viveu. Mas, ele diz, a história não
está aí e sim na terra, terra central do
Chile.
Esse deslocamento do foco de
interesse, do homem para o espaço físico, adquire maior importância na segunda
estrofe de três versos onde aparece o topônimo Parral ligado àquele que nasceu no inverno.
Delineia-se nesse verso, a
presença do poeta, nascido no dia 12 de julho.
Na estrofe seguinte, o foco
de interesse ainda se mantém fixo no espaço para narrar a sua destruição pelo
terremoto do qual se salvaram alguns homens e o vinho. Do pó em que tudo se
transformou, somente as parreiras perseveraram em dar uva e vinho.
Assim, como já fora feito no
Canto geral, o tom épico desaparece
e surge o eu confessional, intensamente lírico. Um eu que se submerge em busca
do passado mas nele o que está inscrito perdura sem imagens dos rostos, das
figuras, das paisagens.
Nenhum apelo ou desejo
imenso - esse querer do filho em vislumbrar o desconhecido rosto materno, ultrapassa
as barreiras do tempo e da morte: E como
nunca vi / seu rosto / a chamei entre os mortos, / para vê-la, / mas como os
outros enterrados, / não sabe, não ouve, não respondeu nada, / e ali ficou
sozinha, sem seu filho, / arredia e evasiva / entre as sombras.
Dessa solidão que imagina -
a mãe que mal tivera nos braços o filho antes de morrer tuberculosa e da
sua, ao perdê-la, sem ao menos ter lembranças de seus traços - parte à procura
do passado.
Retoma, então, a presença
esboçada na segunda estrofe - Parral se
chama o lugar / do que nasceu / no inverno e o topônimo primeiro de sua
vida de caminhante para definir raízes que se mesclam na terra e na mãe que
nessa terra está sepultada: E dali, sou,
daquele / Parral de terra trêmula, / terra carregada de uvas / que nasceram /
de minha mãe morta.
A trajetória em busca do
passado - a figura do pai, da mulher que lhe serviu de mãe, as descobertas do
menino, os amores, a consciência política - continuam a se transformar em
verso. Sobre a terra pulverizada e desfeita pelo terremoto e sobre o
desconhecido rosto da mãe já, então, o poeta se cala até que num dos poemas do
final de sua vida, entre tantos que falam de solidão, morte e desesperança, ressurgem as raízes, raízes alastradas pelas terras do Chile. Invicto, como que invicto,
ele reafirma: Eu sou de Iquique, / sou das vinhas negras de Parral, / da água
de Temuco, / da terra delgada, / sou e estou.

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