domingo, 17 de julho de 1994

O saque

          Este desejo de ver o país livre dos cancros que o corroem desde que se proclamou como nação, comum a todo habitante do Continente, é vivamente expresso nas últimas pá­ginas de um livro que permaneceu muito tempo sem leitores.

          Queríamos o que será a glória de amanhã: uma América feliz na clemência de seu clima, no esplendor deste céu, inteligente, laboriosa e pacífica na comunhão social, meiga e fraternal na expansão natural da instintiva cordiali­dade, afastada dos egoísmos ferozes que aviltam outras civi­lizações. Palavras confessadamente originadas numa utopia e que provocariam sorrisos incrédulos se não fossem os causti­cantes textos que as precedem.



          Causticantes e convincentes. América Latina; males de origem, é um estudo sobre as causas do atraso em que está mergulhado o Continente que se contrapõe àqueles das idéias já enunciadas por europeus.

          Manoel Bonfim não repete as indiscutíveis verdades pregadas ao longo dos anos: inferioridade racial dos povos mestiços no seu modo de ser e de viver em que do­mina a incapacidade criativa e a preguiça. Suas idéias e re­flexões buscam novos caminhos para entender a história do Continente.

          Escrito em 1903 e publicado dois anos depois o seu livro, que, por claras razões, permaneceu à margem do processo intelectual brasileiro, teve uma nova edição em 1993 e esses noventa anos passados em nada diminuíram sua perti­nência e atualidade.

          Porque o texto de Manoel Bonfim diz bem claro que os saques e a pirataria se prolongando no Continente fi­zeram de seu destino uma trajetória de espoliações. Os conquistadores da Península Ibérica insti­tuíram nas suas colônias a prática do roubo e da destruição que prevaleceram nos séculos antecedentes das conquistas ma­rítimas. A busca do enriquecimento, advindo da pilha­gem, se perpetuou, então, no Continente.  As riquezas naturais foram devastadas e, sa­crificadas, a serviço da ambição. E a vida dos índios e, mais tarde, a dos negros.   Esta instituição do saque de que fala Manoel Bonfim irá se eternizar nas novas nações, originadas das co­lônias ibéricas, cuja organização social continuou a tê-lo como norma, agora perpetrado contra as forças de trabalho.  E todos esses que estão na base da estrutura social sem escola, sem saúde, sem lazer, sem moradia e sem comida continuam a ser saqueados nos seus direitos mais sim­ples.

          Manoel Bonfim deu um nome a seus explorado­res: parasitas.

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