Em 1974, foi publicado, pela
Losada de Buenos Aires, Jardin de
invierno, uma das oito obras inéditas de Pablo Neruda dadas à luz após sua
morte.
É um pequeno livro de vinte
poemas feitos, principalmente, de uma irremediável e desesperançada tris-teza.
A tristeza do inverno, o inverno verde e negro, o inverno que
chega e faz do poeta esse círculo que
espera. Desalentadora espera de quem
se sabe prisioneiro da imutável trajetória do ser humano, conduzindo à morte e,
sobretudo, dessa nova verdade induzida pela aproximação do fim:não há mais nada para decifrar, / nem nada
mais que falar: isso era tudo: / fecharam-se as portas da floresta, / circula o
sol abrindo as folhagens, / sobe a lua como fruta branca / e o homem se acomoda
a seu destino.
E o tempo, cada estação
adquire as cores que o olhar do poeta lhes concede. No poema “Outono”, é a
visão da cidade às vésperas de uma convulsão onde se instala o outono vestido de soldado. Em “Jardin de invierno”, o outono se mostra
dadivoso e chega para estabelecer a
escrita do vinho e, como o estio é, igualmente, passageiro.
Na segunda vez que aparece
referência à estação do calor é como um motivo para amargas reflexões. Não vou ao mar neste amplo verão coberto de calor, quase prosaicamente, o
poeta informa. Mas, o tom se adensa principalmente na última estrofe quando ele
torna a dizer: Não saio ao mar este verão, para explicar então: estou encerrado, enterrado e ao longo / do
túnel que me leva prisioneiro / ouço remotamente um trovão verde, / um
cataclisma de garrafas quebradas, / um sussurro de sal e de agonia.
A oposição que se estabelece
entre seu destino de preso e de condenado e o poderio do mar vai se repetir
no poema “Con Quevedo, na primavera”. Na primeira estrofe, irrompem as cores -
e o azul e o amarelo e o verde e a sugestão do vermelho no nome de uma flor -
como uma pequena aquarela que se enche de vida com o ar novo, com o tácito fulgor, ofertas de uma longa primavera.
Mas, logo na segunda
estrofe, o ar e a cor imaginados cedem lugar a um vazio - só não há primavera em meu
recinto - e ao que pode ser os votos de uma fada má: Doenças, beijos desquiciados, / como heras de igreja se colaram / nas janelas
negras de minha vida / e só amor não chega, nem o selvagem / e extenso aroma da
primavera.
Como se nesses dias que se
sabe são os dias em que se aproxima do fim, já nada pudesse lhe agradar - o
sorriso, a medalha laudatória, dinheiro, livros, beijos, caminhos pela frente
- já nada lhe fosse dado usufruir: o homem
eu, o mortal, se cansou.
Mas, em acorde com o título
do livro concebido em claro-escuro - jardin, sugerindo cor e vida, e invierno,
um interregno de aspereza e nudez -, muitos dos poemas nele contidos se
iluminam de palavras que remetem a uma natureza cheia de vida.
Mau grado a desolação do
poeta, esse seu desejo de fugir de si mesmo e do significado da existência
como diz nos versos de “Animal de luz”, ele não se nega ao espetáculo da vida.
E, assim como fala dessa
rosa que irá cair, fala, também, do caroço de pêssego que voltará a germinar.
Das primaveras que se extinguem para tornar a despertar.
Se cada estação do ano lhe
sugere tristezas neste seu lento preparar-se para o fim, é, porém, no contínuo
ciclo vital de morte e vida renovada que Pablo Neruda encontra, ainda, algo em
que acreditar:
Esta é a hora
das folhas caídas, trituradas
sobre a terra, quando
de ser e de não ser voltam ao fundo
despojando-se de ouro e de verdor
até que são raízes outra vez
e outra vez, desfazendo-se e nascendo,
sobem para conhecer a primavera.



