domingo, 10 de abril de 1994

Os galos

           Foi escolhido como o melhor livro de viagem publicado na Inglaterra, em 1992, e logo se transformou em sucesso deste lado do Atlântico. Um ano na Provence de Peter Mayle. O relato de um inglês que decide deixar seu país para ir morar na Provence, região sul da França, onde o céu é azul e o sol brilha quando no restante da Europa é tempo de névoa, chuva e neve.
 
          Dividido em doze capítulos, correspondentes a cada um dos meses do ano, narra uma encantadora conquista: a de ir viver numa velha casa encravada na montanha à qual se acrescentaram outras grandes descobertas, sobretudo a de um modo de vida que ignora, quase sempre, o relógio e é regida pelos prazeres da mesa.
 
          Breves referências à paisagem de montanhas e vales do Luberon, uma simpatia bem humorada pelos tipos que vai conhecendo, seu trabalho, seus gestos, a maneira como se expressam, suas histórias.
 
          Entre elas, a do galo que, de madrugada, acordava com seu canto os novos vizinhos. Haviam comprado a casa para passar as férias. As reformas foram feitas e no ve­rão eles chegaram com os amigos. E o galo cantava. Os pari­sienses que desejavam acordar tarde reclamaram para o dono que, evidentemente, nada se dispôs a fazer. A forma jurídica usada para fazer o galo calar lhe deu ganho de causa e nas segundas férias em que não puderam dormir, vencidos, os pari­sienses puseram a casa à venda.
 
          Por intermédio de um amigo, o dono do galo comprou a casa por um bom preço. O rendoso negócio foi, então festejado com um jantar cujo prato principal foi um coq au vin.
 
          Lamentável fim para um galo que nada havia feito senão cantar nas horas em que é de praxe que os galos cantem.
 
          No extremo sul do Continente também o Prín­cipe, assim se chamava o galo, cantava.
 
          Só que sua história não tem por fim louvar espertos tinos comerciais mas, sim, a amizade estabelecida entre ele e seu dono.
 
          Brandino havia visto um galo-músico em São Francisco de Assis e quis ter um igual. Fez a encomenda para um carreteiro e de volta a seu vilarejo ficou esperando.
 
          O galo foi trazido um dia, pequeno e feio e mudo. Sem cantar ficou uns dias até que o novo dono, já desi­ludido, o soltou num terreiro entre os outros.
 
          Já crescera, já tinha uma bela plumagem, uma crista vermelha, esporas fortes e, entre os seus, fez o que dele se esperava. Na madrugada seguinte cantou como um galo-músico deve cantar. E, a partir de então, alegrou todas as madrugadas da Vila Nossa Senhora do Passo do Rosário e a ja­nela de Teresa onde o dono o levava para fazer serenata. Ga­nhava grão de milho na palma da mão da moça e, assim mimado e de papo cheio deixava a namorada de Brandino feliz e faceira.
 
          Quando casaram, Teresa e Brandino foram morar na fazenda e levaram o galo-músico.No princípio, a imensidão do terreiro e seus perigos - lagartixas, lagarotos, cobras, aranhas, gatos, ca­chorros - o amedrontaram. Mas, um dia ele reagiu empinou o papo, ergueu a crista, bateu asas e cantou.
 
          E forte e cantor foi temido e respeitado no enorme terreiro da fazenda até que numa noite de chuva foi surpreendido por uma raposa. Lutou para se defender, foi so­corrido pelo dono, mas já era tarde.
 
          E Brandino contava e repetia a história do Príncipe, suas façanhas amorosas, sua valentia para concluir: um consolo, porém, eu tenho: morreu como um bravo, lutando.
 
          De comum entre esses dois galos apenas o canto que alçam de madrugada. Se, do galo provençal tudo se ignora, salvo essa morte que lhe interrompe o canto, do personagem de Cyro Martins muito se conhece e também, o amor que lhes devotam os donos.No relato de Peter Mayle e n’O Príncipe da Vila de Cyro Martins são ambos pequenas figuras luminosas e comoventes nessa morte antecipada a que são condenados.Um morre na solidão própria do animal sacri­ficado; o outro como vítima das leis que a natureza impõe.
 
          Na verdade, talvez seja irrelevante. Pequenos detalhes ficcionais neste mundo de homens tantas e tantas ve­zes tratados como animais.

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