domingo, 17 de abril de 1994

Literatura e compromisso

           Em 1970, Carlos Droguett já havia publicado quase todos os seus romances quando, no mês de outubro, rece­beu dois prêmios literários: o Prêmio Nacional de Literatura do Chile e o Prêmio Alfaguara na Espanha. Poucos meses depois, foi publicada, no El Mercurio de Santiago, uma entrevista sua que, no ano se­guinte, fez parte do livro Escrito en el aire, publicado pela Universidade Católica de Valparaíso. Sou um passional é o primeiro de vários textos, na sua maioria, originados das impressões que o ro­mancista chileno registrou ao longo de sua viagem por alguns países da Europa.
 
          Na breve nota que antecede esses escritos, Carlos Droguett afirma que eles fazem parte mais de sua vida que de sua literatura.Na verdade, vida e literatura se entrelaçam fortemente. Para mim a Literatura é um ato total que inte­ressa ao corpo e ao espírito do escritor, em termos teológi­cos como um sacramento, em termos psiquiátricos, como um sui­cídio. Ato total ao qual se acrescenta, ainda, a inabalável convicção de que a literatura somente pode existir a partir de um compromisso. E, para ele esse compromisso é com a jus­tiça. Daí a pertinência da resposta quando o jorna­lista lhe pergunta, após observar que a sua obra de ficção aparece marcada pelo sangue e pela violência, por que ele aprofunda o tratamento literário desses temas. Porque a História de nosso país aparece marcada pelo sangue e pela vi­olência.


          Sangue e violência que ele não pode eludir ao escrever os três romances sobre a Conquista do Chile pelos espanhóis ou ao escrever 60 muertos en la escalera em que re­cria, na ficção, o ocorrido em Santiago, no dia 05 de setem­bro de 1938, quando um grupo de jovens rebeldes, desejosos de mudanças políticas, foram sumariamente assassinados por tro­pas governamentais. Um episódio que o emocionou profundamente e lhe fez conhecer, como dirá quase trinta anos mais tarde, a sua capacidade de odiar.
 
          Seu entrevistador lembra essas palavras para inquirir se essa capacidade de odiar diminuiu, com o passar do tempo, ou se incrementou.Ironiza Carlos Droguett vejo-o muito preo­cupado pelo incremento ou diminuição de minhas paixões  an­tes de responder que qualquer pessoa normal deve sentir ódio diante das periódicas matanças de operários e estudantes em nosso país. E, então, por sua vez, pergunta: O Senhor, não?.Uma pergunta que evidentemente não foi res­pondida e da qual, com certeza, não era esperada uma res­posta. Porque parece ser de praxe no Continente, cultivar uma total indiferença das situações que não digam respeito aos interesses imediatos da classe que tem acesso à palavra e cujo olhar jamais se dirige para essas injustiças que são do cotidiano e estão presentes na falta de comida, de instrução, de saúde, de moradia, de lazer, fazendo com que a maior parte dos que habitam a América não se constituam de cidadãos.

          Também, muitas vezes, é de praxe marginalizar e perseguir os que ousam desejar transformações.
 
          No ano de 1971, Carlos Droguett dizia que era para pessoas como ele que Leon Bloy tinha escrito: Se os que receberam a investidura da palavra se calam, quem falará pe­los mudos, pelos oprimidos e os fracos? O escritor que não escreve pela justiça, é um despojador dos fracos, um ladrão.
 
          No dia 1º de setembro de 1975, já derrubada a democracia no Chile, com os ouvidos cheios dos sussurros dos que não podiam ter voz, Carlos Droguett partia para o exílio.

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