Quando, em 1885, foi
publicada La tierra purpurea, em
Londres, as resenhas que sobre a obra apareceram foram pouco favoráveis, o público
leitor não se interessou em adquiri-la e logo ela foi esquecida. Estas são
informações dadas pelo próprio autor W. H. Hudson conforme refere Ruben Cotelo
no prefácio da edição publicada em Montevidéu pela Ediciones de la Banda
Oriental no ano de 1992.
O destino da obra, porém,
depois mudaria. Surgiram as edições espanholas, norte-americanas, argentinas e
as francesas, venezuelana e uruguaia.
No Uruguai, ainda segundo as
palavras de Ruben Cotelo, La tierra
purpurea foi pouco lida e pouco estudada embora seja uma obra sobre este
país, suas paisagens, sua gente, suas lutas. E, são essas lutas sangrentas a
origem do título: a terra púrpura, regada
pelo sangue de seus filhos.
Depois de percorrer a cavalo
uma parte do país em busca de um trabalho que lhe permitisse sustentar sua
jovem mulher, já de volta a Montevidéu, Richard Lamb, o narrador, conversa
longamente com Demetria, fazendeira a quem a morte do irmão e a insanidade do
pai deixaram sem proteção e que estava sendo salva por ele das garras de um capataz
hipócrita e desonesto.
Descansam à sombra de uma
grande árvore e o inglês chama a atenção da companheira de viagem para a beleza
das amplas paisagens banhadas de sol que têm diante de si. E, lhe confessa que
nas longas noites de inverno pensa narrar suas andanças pelos campos do
Uruguai, inclusive esse último cavalgar em busca de um refúgio para ela e dar a
narrativa o título de La tierra purpurea.
Que nome mais conveniente pode se
encontrar para um país tão manchado pelo sangue de seus filhos? justifica.
Embora no livro não apareçam
datas, é sabido que W. H. Hudson esteve no Uruguai de meados de 1868 a março de
1869.
No apêndice “História de la
Banda Oriental” que acrescenta ao livro e em que, brevemente, faz a História do
Uruguai ele esclarece que as andanças e
aventuras descritas no livro se
referem ao fim da década de 60 e começos de 70 quando o país ainda estava na mesma situação em que havia permanecido
desde os dias coloniais quando o sítio de Montevidéu que durou dez anos não era
ainda um acontecimento remoto e muitos daqueles que nele haviam tomado parte
podiam ser encontrados.
Ou seja, a sua presença no
Uruguai coincide com esse momento de muitas lutas em que os caudilhos se
alçavam em defesa do que entendiam por pátria e por liberdade.
Richard Lamb, se encontra
com um deles a quem no livro chama de Santa Coloma. Circunstâncias o levam a
lutar a seu lado na batalha que denomina São Paulo, a única em que tomou parte,
razão que, no seu entender justifica não ter feito dela uma descrição mais científica.
Na verdade, pouco descreve
da luta que se travou entre o grupo de Santa Coloma, uma facção dos “blancos”, poucos homens mal armados e indisciplinados
e os inimigos “colorados”.
Richard Lamb se detém na
opinião do General sobre seus homens e sua estratégia e, rapidamente, narra
como se desenrolou esse encontro.
Entre os “blancos” ele pode
ver o inimigo, uns setecentos homens alinhados e como se posicionavam as forças
rebeldes e como, na iminência do combate os homens se puseram graves e
silenciosos. E, também, como o General, cavalgando impetuosamente se dirigiria
a cada uma de suas colunas para incitar à luta.
Compartilhando o destino dos
rebeldes, armados somente de lanças e sabres, juntamente com eles avança contra
as linhas inimigas sendo recebidos com descargas de carabina. Que, no entanto,
no dizer do narrador, não causaram danos: não
vi, perto de mim, cavalos sem ginetes.
Logo, a luta termina com a
derrota da facção com a qual combatia e os vencidos e ele se puseram em fuga.
A crueldade e as injustiças
próprias das lutas, os mortos e os feridos não foram mencionados. Como se no
melhor dos mundos o encontro dos inimigos pudesse resultar incruento e servisse
apenas para decidir sobre as vitórias.
Ou W. H. Hudson não viveu a
luta que seu personagem descreve ou sua visão de mundo o impediu de fixar a
crueldade das cenas que certamente ocorreram ao longo desses anos de combate em
busca de caminhos.
Assim, o título La tierra purpurea sintetiza a História
de um povo cujos sofrimentos, sem terem sido ignorados, foram eludidos na
narrativa na qual se sobrepuseram as imagens luminosas, a emoção diluída em
leve e risonha ironia.
A gesta foi enunciada e de
forma tão inegavelmente precisa e verdadeira que pôde conduzir não somente
àquela que se desenrolou no Uruguai mas a todas as heróicas e muitas vezes não
mencionadas do Continente.



