domingo, 17 de janeiro de 1993

Destino de mulher

          Perversas famílias, lançado em 1992, é o primeiro romance de uma anunciada trilogia, Um castelo no pampa. Seu  autor, o gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, que entre o ano de 1976 e o ano passado,  publicou: A prole do corvo, Bacia das almas, Manhã transfigurada, As virtudes da casa, O homem amoroso, Cães da Província e Videiras de cristal.



          Apresentado pela Editora Movimento de Porto Alegre como um romance que resgata um outro Rio Grande e um outro Brasil, suas quatrocentas páginas tem por eixo narrativo uma abastada família do extremo sul do país. Revelando seus dramas, situando-a em exatos momentos econômicos e políticos do Rio Grande do Sul, Luiz Antonio de Assis Brasil, entrelaçando ficção e realidade, alcança a síntese sedutora que permite descobrir aspectos de um abrangente itinerário nacional através de uma sugestiva fabulação.

          Conduzindo uma narrativa de múltiplas vozes, como já o fizeram tantos autores do Continente, que se situam no tempo e no espaço em níveis distintos, o romancista instaura nela uma expressiva vivacidade que, no entanto, sabiamente se ameniza quando se detém em Plácida. Como Camila de Manhã transfigurada ou como Micaela de As virtudes da casa, Plácida é admirável  criação de um inusitado universo feminino.

          Em idas eras, numa cidade provinciana, mulher rica e de frágil, saúde, ela aceita esse mundo ao qual pertence, o suficiente para se casar com aquele que a pretende, para ignorar o sítio onde passa a morar, o estabelecimento charqueador, maculado por ossadas e odores fétidos, para ceder à vontade do marido e aceitar viver numa longínqua estância.

          E, refugiada na música, na leitura dos românticos franceses, nos bordados, nas lembranças da adolescência, nos seus deveres feminis, deixa-se viver, rodeada de luxo e de atenções,  como se a vida mal a tocasse e sem entender que a moléstia que a persegue nada mais é do que a linguagem que outrora fora abafada na sua sincera espontaneidade pelas pesadas normas sociais. As mesmas que mais tarde a devem prender, intocada, nos seus trajes de viuvez e que, então, ela irá infringir para obedecer a seu corpo que as carências fazem desfalecer em crises de dispnéia.

          Infração, cujo ônus será em demasia: não se vê a salvo das sufocações; não é invadida pela felicidade; o que recebe das noites amorosas não anulam seus anseios.

          As teias em que se enredou, em que foi enredada, foram implacáveis. Num caixão de ouro Plácida desce à terra, porque, transgressora, na terra não mais havia lugar para ela.

          Na galeria feminina do romancista gaúcho, também é imagem poderosa. Mas infeliz e vencida.

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