domingo, 10 de janeiro de 1993

De heróis. Heróis?

           Curiosamente, é uma voz feminina quem narra o extermínio dos índios Charruas do Uruguai: Josefina Peguy.

          Atendendo o pedido que lhe fizera Federico Silva, envia-lhe material sobre Bernabé Rivera. Mas, não se atém apenas a isso. Excede-se na resposta. Talvez para preencher, com evocações‚ o tempo de quem se aborrece com as mesquinharias do presente. Dispõe-se, então, a escrever sobre o que tem conhecimento, pelo que lhe foi contado na família, consciente que oferece uma versão inédita, muito. mais feroz e veraz sobre os acontecimentos de Salsipuedes e Yacaré-Cururu.

          E, centrada na figura de Bernabé Rivera, sua narrativa se amplia e traça todo um intrincado panorama de combates e escaramuças, nos quais o Uruguai vai se desenhando como país.

          Em 1830 é eleito seu primeiro Presidente, Fructuoso Rivera, cujo governo, o de um típico governante latino-americano, se caracterizou, segundo o historiador Carlos Machado (História de los orientales, 1972), pelo descuido administrativo, a malversação das finanças, o desrespeito às leis, os negócios escusos ligados à terra, a perseguição aos adversários e o genocídio dos Charruas.

          Os planos que não fez para o progresso do país, os elaborou para o extermínio dos índios, donos do Continente, quando os ibéricos nele chegaram.
          Para executar o extermínio designou Bernabé Rivera, um parente muito próximo que a falta de documentação impede saber, com certeza, se foi seu irmão ou sobrinho.
          Repetindo dizeres de sua família sobre ele, Josefina Peguy diz que Bernabé Rivera não merecia ter nascido bastardo. Muitas qualidades lhe são atribuídas coragem, modéstia, reserva, fidelidade e a obediência própria de um militar.
         
          Embora repudiando - assim o afirma sua biógrafa - o massacre ordenado pelo Presidente, o executa à perfeição: os Charruas foram convidados a uma reunião com os brancos para tratar das terras que receberiam em troca do apoio, tão necessário, nas campanhas contra o Brasil.
           No dia 8 de abril de 1831, eles deveriam comparecer ao local determinado. Porém‚ nem todos os caciques acreditaram nos brancos, prevendo o que aconteceria.

           E aconteceu: traição, crueldade extrema no momento em que, reunidos, os atos só tiveram por fim dar morte a todos. Surpreendidos, os índios nem sequer procuravam se defender, mas fugir para o mato, para o rio, para seus cavalos e seus amigos.

           O que poderia ter sido um combate, embora desigual, passou a ser a fácil matança que estava planejada.



           Foram trezentos índios mortos. Era a noite de 11 de abril de 1837 e nessa mesma noite foi planejada a perseguição das outras tribos e dos índios que haviam conseguido fugir.

           O método não mudou. Outra vez os Charruas foram atraídos com falsas promessas e, outra vez, encurralados para a morte. Um extermínio que, ainda se prolongou em infindas perseguições, pois Bernabé Rivera não recuava diante do frio, da chuva, da solidão, do cansaço na busca do que passou a considerar o bem da pátria.

           Bernabé, Bernabé, romance do uruguaio Tomas de Mattos que a Mercado Aberto de Porto Alegre acaba de publicar, discute essa verdade e esse genocídio a partir de documentos e personagens verídicos e a figura de Bernabé Rivera ressurge com um novo desmitificado perfil.
 
           Seus ossos - os que assim foram reconhecidos como seus - hoje repousam no Panteão dos Heróis de Montevideo.    Os de suas vítimas Charruas se perderam na terra e ali ficaram sem ritual, sem culto, sem memória.

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