Septuagésimo volume da
Coleção Poesiasul, O corpo sentido
acaba de ser publicado pela Editora Movimento de Porto Alegre. É o terceiro
livro de poemas de José Tulio Barbosa. Em 1989, ele publicou Rastro dos ventos e, no ano passado, Vinte respostas a Neruda, prêmio Concurso Pablo Neruda, patrocinado pela Embaixada do
Chile, em Brasília.
Neste seu último livro, o
título que se desenha graficamente de dois modos distintos - a expressão “o
corpo” em letras grandes; em baixo, com letras menores e
cursivas, a palavra “sentido” - é espelho perfeito do eixo temático que
direciona os poemas.
O corpo sentido é dividido em três partes. Na primeira, seus vinte e um poemas se
alimentam todos da palavra “corpo”. E o corpo é apenas matéria ou matéria, que
se refaz no tempo dos séculos, ou em instantes; é parte do infinito, é
invólucro, é cativeiro, é humanidade contida que busca o outro.
A segunda parte é, feita de
vinte poemas que também se alimentam da palavra “corpo”, agora no plural, e
regidos por expressões - nos recebemos, nos realizamos, nos conhecemos,
nos fundimos, nos esgueiramos, denunciadoras de buscas e encontros de dois
seres que se plasmam na eternidade finita que são suas noites sem tempo, seus
instantes de uma estrela.
Outras expressões se
acrescentam então - lábios, dedos, olhos, pele, mão, ventre,
seio, braços, pés, pernas - estabelecendo fronteiras para um outro
sentir, o que procura se completar no outro.
Se, na primeira parte o
poeta mostra a partir do próprio corpo seu espanto de existir e, na segunda, o
êxtase de seu corpo diante do corpo feminino que o completa, na terceira parte
(dezenove poemas o compõem) emerge o sentir diante dos deserdados.
Também eles são corpos - e,
está lá, sempre, a palavra. - Mas, corpos que não se indagam, que não se
exaltam no prazer e que são vítimas apenas, dos outros.
Como os demais poemas que
fazem parte de O corpo sentido,
estes tampouco possuem título e se diferenciam dos anteriores por trazerem no
final entre parênteses, uma dedicatória. Quatro delas se dirigem a pessoas
nominadas; as restantes, a um coletivo marginal: para os que não puderam mais
resistir; para um pivete qualquer; para os que conspiraram; para todos os que
deram a vida pela liberdade; para os que foram humilhados até a essência; para
todas as mulheres o que, certamente, também, possui o significado de um
coletivo.
E, a longa epígrafe, tirada
de um texto de Roberto A. R. de Aguiar (O
que é a justiça?) que antecede
esses poemas, reafirmam neles o desejo de luta que o poeta expressa pela
emoção. A relação de compra e venda do corpo, estabelecida por Roberto A. R. de
Aguiar (a grande maioria dos corpos que,
vendendo sua força de trabalho, sustentam corpos que não trabalham), será traduzida, poeticamente por José Tulio
Barbosa que da palavra “corpo” aproxima expressões, como andrajos,
jornadas, jugo, sangue vertido, fome claramente comprometidas com a
denúncia que a epígrafe anuncia. E que se reafirmam em outras: fardo, fado,
lágrimas, humilhação, dor, opressão, vida negada.
Expressões habitantes de
versos breves, incisivos que esboçam esse não viver dos explorados com a
maestria dos que dominam a arte de poetar: como que dizendo tudo num mundo de
silêncios.
Para vencê-lo, José Túlio
Barbosa se busca; compartilha seu corpo com o da mulher amada. Mas, não se
petrifica nesse mundo fechado e oferece a sua voz aos que dela não sabem fazer
uso.
E não se permite só o
lamento. No último poema do livro surgem, luminosas, as palavras que remetem
àquele futuro em que os homens já não serão máquinas / e meras matrizes / a
modelar e a ser modelados / nas linhas de extinção.
O eu do poeta que prevalecera
nos poemas se assume como homem do Continente. E um nós utópico domina a última
estrofe do livro: Sim seremos corpos / e poderemos nos tocar / para descobrir
/ os mares e as alturas / os céus e os abismos / todas as larguras / todas as
profundezas / insuspeitas / que há no vôo / do corpo sentido.


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