domingo, 15 de novembro de 1992

O sentido do corpo



Septuagésimo volume da Coleção Poesiasul, O corpo sentido acaba de ser publicado pela Editora Movimento de Porto Alegre. É o terceiro livro de poemas de José Tulio Barbosa. Em 1989, ele publicou Rastro dos ventos e, no ano passado, Vinte respostas a Neruda, prêmio Concurso Pablo Neruda, patrocinado pela Embaixada do Chile, em Brasília.

Neste seu último livro, o título que se desenha graficamente de dois modos distintos - a expressão “o corpo” em letras grandes; em baixo, com letras  menores e cursivas, a palavra “sentido” - é espelho perfeito do eixo temático que direciona os poemas.

O corpo sentido é dividido em três partes. Na primeira, seus vinte e um poemas se alimentam todos da palavra “corpo”. E o corpo é apenas matéria ou matéria, que se refaz no tempo dos séculos, ou em instantes; é parte do infinito, é invólucro, é cativeiro, é humanidade contida que busca o outro.



A segunda parte é, feita de vinte poemas que também se alimentam da palavra “corpo”, agora no plural, e regidos por expressões - nos recebemos, nos realizamos,   nos conhecemos, nos fundimos, nos esgueiramos, denunciadoras de buscas e encontros de dois seres que se plasmam na eternidade finita que são suas noites sem tempo, seus instantes de uma estrela.

Outras expressões se acrescentam então - lábios, dedos, olhos, pele, mão, ventre, seio, braços, pés, pernas - estabelecendo fronteiras para um outro sentir, o que procura se completar no outro.

Se, na primeira parte o poeta mostra a partir do próprio corpo seu espanto de existir e, na segunda, o êxtase de seu corpo diante do corpo feminino que o completa, na terceira parte (dezenove poemas o compõem) emerge o sentir diante dos deserdados.

Também eles são corpos - e, está lá, sempre, a palavra. - Mas, corpos que não se indagam, que não se exaltam no prazer e que são vítimas apenas, dos outros.

Como os demais poemas que fazem parte de O corpo sentido, estes tampouco possuem título e se diferenciam dos anteriores por trazerem no final entre parênteses, uma dedicatória. Quatro delas se dirigem a pessoas nominadas; as restantes, a um coletivo marginal: para os que não puderam mais resistir;  para um pivete qualquer;  para os que conspiraram; para todos os que deram a vida pela liberdade; para os que foram humilhados até a essência; para todas as mulheres o que, certamente, também, possui o significado de um coletivo.

E, a longa epígrafe, tirada de um texto de Roberto A. R. de Aguiar (O que é a justiça?) que antecede esses poemas, reafirmam neles o desejo de luta que o poeta expressa pela emoção. A relação de compra e venda do corpo, estabelecida por Roberto A. R. de Aguiar (a grande maioria dos corpos que, vendendo sua força de trabalho, sustentam corpos que não trabalham), será traduzida, poeticamente por José Tulio Barbosa que da palavra “corpo” aproxima expressões, como andrajos, jornadas, jugo, sangue vertido, fome claramente comprometidas com a denúncia que a epígrafe anuncia. E que se reafirmam em outras: fardo, fado, lágrimas, humilhação, dor, opressão, vida negada.


Expressões habitantes de versos breves, incisivos que esboçam esse não viver dos explorados com a maestria dos que dominam a arte de poetar: como que dizendo tudo num mundo de silêncios.

Para vencê-lo, José Túlio Barbosa se busca; compartilha seu corpo com o da mulher amada. Mas, não se petrifica nesse mundo fechado e oferece a sua voz aos que dela não sabem fazer uso.

E não se permite só o lamento. No último poema do livro surgem, luminosas, as palavras que remetem àquele futuro em que os homens já não serão máquinas / e meras matrizes / a modelar e a ser modelados / nas linhas de extinção.

O eu do poeta que prevalecera nos poemas se assume como homem do Continente. E um nós utópico domina a última estrofe do livro: Sim seremos corpos / e poderemos nos tocar / para descobrir / os mares e as alturas / os céus e os abismos / todas as larguras / todas as profundezas / insuspeitas / que há no vôo / do corpo sentido.

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