domingo, 19 de janeiro de 1992

A escrita do exílio III


            O auto exilar-se, procurando melhores condições de vida passa a ser, no Continente, quer queiram  ou não os seus protagonistas, um ato profundamente político. As ditaduras ou as pseudo democracias que vicejam nos países latino-americanos, ao se eximirem de permitir a seus cidadãos aquele mínimo necessário para uma vida condigna, ao  obrigá-los  a partir em busca de um  melhor destino, estabeleceram as mais diversificadas rotas de imigração que jamais, como nos últimos anos, foram usadas por números tão expressivos.

            Um drama – este abandonar a paisagem da infância, a casa, a rua, os objetos pessoais e os entes queridos –  tem sido registrado pela Literatura latino-americana, principalmente na sua produção da última década. Década esta que foi, extremamente pródiga em desterros, exílios, auto-exílios,  refúgios, expatriações. 


            Em 1983, apareceu, na Colômbia, publicado pela Plaza y Janes, um dos mais bonitos e inovadores romances do Continente: Pero sigo siendo el rey. Um romance sobre o amor,  sobre despeitos, sobre ciúmes, sobre a morte advinda de paixões incontroláveis. Amores que nascem espontâneos e irrefreáveis em seres regidos por um severo código social que, ao encerrá-los em antigas e machistas leis de honra, lhes determina o destino.

            Como “en passant”, breves textos sobre o exílio imposto a si mesmo por um personagem que precisa da riqueza para ser feliz, se impõem, não apenas como um daqueles mais liricamente fortes e comoventes do romance, mas, também, pela nítida denúncia de  uma situação típica do México – a imigração para os Estados Unidos – que, no entanto, se sabe, não é estranha aos outros países do Continente.

            Para vencer a resistência paterna da mulher que ama, Bronco Reynoso deve ficar rico. Ele parte para conquistar essa riqueza além fronteiras porque é no Norte que está o dinheiro. E o sofrimento de partir, de suportar as agruras de uma viagem para muito longe, os perigos, as humilhações na terra alheia nada são diante das lembranças que o alimentam e lhe permitem resistir: E torno a sentir teus beijos, não importa que estejas tão longe. Embora na lembrança. O doce mel de teus sábios umedece ainda minha boca que engoliu o pó dos caminhos. Embora na lembrança. O doce alívio de teu alento faça com que a brisa traga odores gratos como o da azaléia, o da toronja, o do leite acabado de ferver e que o ar saiba  a louros tão verdes que fazem chorar a imaginação na aridez   desses contornos. E’ o dizer de Bronco Reynoso que, na solidão do monólogo, expressa a nostalgia do que deixou para trás. Entre essas palavras murmuradas, rápidos diálogos que lhe teatralizam a chegada no país do Norte – o medo, o desconhecido, os maus tratos – dizem, por sua vez, do preço que pagou: atravessar o Rio Grande a nado, vendo nas margens as armas apontadas para ele; ter que se entregar, sem documentos à polícia da emigração; escutar ser chamado de bastards, de fucking greasers; e ter  que trabalhar duro e dobrado para ficar rico e                           retomar o caminho de volta.

        Regressa e sua história de amor se encaminha para o epílogo. Então, outros amores, outras honras feridas, outras mortes passam a dominar o relato. Como se apenas contar de amores fosse a intenção primeira de David Saches Juliao. 

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